Sem sombra de duvidas, o filho amado, o esperado
amorosamente por minha mãe. “Meu louro, meu lourinho”, era assim que ela o
tratava.
Nós, eu, Aristênio e Aride bem como papai, sabíamos disso e
não nos perturbávamos. Hoje, olhando para reações e ações em minha vida, me dei
conta de que me sentia rejeitada diante do imenso amor que ela dedicava ao
filho mais velho; o primeiro, aquele dos seus sonhos de moça e de jovem esposa.
Entretanto, os mecanismos de defesa que temos em nós são poderosíssimos, e isto
nos possibilita viver caminhando por atalhos que vamos encontrando. Aquela
preferência explicita, se influenciou de maneira negativa na formação de minha
personalidade, por outro lado forçou-me a abrir caminhos... foi bom.
Mas falando ainda do LOURO, aquela predileção materna, o marcou
profundamente. À medida que o amava, mamãe, nele, depositava suas expectativas...
O garotinho “meu homenzinho” obrigou-se a ser adulto sem viver a
infância em sua plenitude. Um menino esguio, lindo, sério, amigo de meninos
parecidos com eles ( o que hoje classificaríamos de chatinhos, de
meninos-velhos, homens).
Aos cinco anos e meio, ganhou de papai um cavalinho (meio pônei,
todo branquinho) ao qual batizou de PINGO DE OURO. Ele e o cavalo se entendiam
de uma forma maravilhosa. Muitas e muitas vezes as amigas e amigos de nossos
pais mandavam recados acerca das “acrobacias” que nosso irmão costumava
realizar com seu cavalo. Nossos pais riam, orgulhavam-se. Por mais que os
outros pais perguntassem ao nosso, o lugar ou de quem havia comprado aquela
maravilha de cavalo, recusava-se a fornecer qualquer pista. “Um só pingo de
ouro é o que toda a Barbalha verá. E assim foi.
Aécio e seu cavalo Pingo de Ouro/ março /1942
Em nossas “viagens” a Missão Velha, à Chapada do Araripe, a
Cajazeira do Farias, papai pedia a Aécio que me cedesse o PINGO, e lhe oferecia
um dos seus lindos e grandes cavalos. Assim, eu me sentia também um pouco dona
dele. É necessário que eu deixe bem claro que Aécio, por se saber dono
daquela maravilha, nunca foi egoísta para comigo nem tampouco para com
Aristênio em se tratando do PINGO DE OURO.
Creio que aquele amor maior de mamãe não foi bom para nosso irmão.
Ele não soube viver bem sem ela. Quando nos tornamos adultos, ficamos mais
amigos, Aécio e eu. Nele havia uma dor constante. Julgava-se devedor de nossa
família, “maninha, eu falhei com vocês, saí de casa e deixei tudo em suas
costas. Fugi de minhas responsabilidades”. Conversávamos sobre esse assunto e
eu, bem como meu marido, Francisco Ribeiro Parente, procurávamos fazê-lo
entender que ele não fugira de nada, apenas fizera suas escolhas, assim como eu
fiz as minhas.
Numa das noites em que dormi em sua casa, conversamos até muito
tarde sobre tudo o que havia em nossas memórias e corações. Busquei consolá-lo
e convidei-o a que juntos, recordássemos nossa tão buliçosa infância,
adolescência e juventude. Respondeu-me que simplesmente não se lembrava de
nada. Apagara tudo da memória para não sofrer. Na noite seguinte, estando toda
sua família reunida, fui relatando fatos vividos por ele. Os filhos e netos divertiram-se, riram e ele só me olhava, perguntando de onde eu tirara tudo
aquilo. Era o Aécio–sonso, como eu o chamava na infância. Aprontava, aprontava,
e depois ficava com aquela carinha de menino-homem escondendo-se, fazendo papai
ou mamãe pensarem que nada sabia sobre o acontecido dos comentários que ouvia. E ganhava dos dois.
José Aristênio
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José Aristênio. Barbalha junho de 1942 |
Um menino forte, lábios grossos, musculoso .
Inteligência rápida e buliçosa. Não sabia ficar quieto, sem alguma ocupação.
Ao contrário do Aécio, era elogiado pelos professores, especialmente pelas professoras a quem conquistava logo no início de cada ano
letivo. Onde ele estivesse, estavam presentes a alegria, o bom humor e os ditos
engraçados. AMAVA MAMÃE DE PAIXÃO. Não escondia de ninguém esta realidade. Para
ela, cantava canções que criava. Para ela, fazia serenatas.
Todas as pessoas que visitavam nossa casa, e eram muitas,
especialmente aos sábados, dia da feira semanal de Barbalha, gostavam da companhia do nosso Rangozinho. Com facilidade invejável, por fazer parte de sua personalidade, sempre tinha algo a dizer de maneira generosa, a cada uma delas, que repetiam,alegres, seus ditos e sentindo-se acolhidas, importantes e respeitadas.
Nossos tios, tias, primos e primas sabiam que com ele não se devia
“mexer” porque quem se atrevesse a fazê-lo, receberia o “troco” em forma de
bofetões, mordidas, golpes com os pés, palavrões, e outros. Entretanto,
era querido de todos porque nenhum de nós possuía como ele, o dom de saber fazer e cultivar amizades. Fossem pessoas idosas, fossem crianças,usava com maestria palavras que lhes
alimentassem a autoestima e com isso, “ganhava” a todos. Por outro lado, não
suportava que ninguém lhe faltasse com o respeito. A resposta a qualquer coisa
que o ferisse era imediata, não importando a idade, sexo ou posição social da pessoa. Consequentemente, invariavelmente, tomava uma surra
do meu pai ou da minha mãe, todo santo dia.
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Aristênio. Barbalha, dezembro de 1946 |
Divina, uma sertaneja bonita, cozinheira nossa, o amava muito e ao
mesmo tempo gostava de vê-lo agitado, e enfezado. Pôs-lhe o apelido de RANGÓ. Ficava furioso quando era chamado ou citado pelo apelido. O
mundo parecia vir abaixo... a briga instalava-se. Baderna total, sem contar com
o que aprontava...
Sabia,e muito bem, sair em defesa do irmão e dos amigos.
Papai percebeu desde cedo que naquele menino estava a semente de um grande homem, percebeu também que não podia permitir que, na vida, se deixasse guiar apenas pelos
impulsos, pelos instintos. Então, buscava tê-lo sempre ocupado, no que era
ajudado por tio Ótom, (padrinho de Batismo do Rangó). Com sua educação e
sensibilidade, esse nosso tio e vizinho, conseguia fazer maravilhas com o
Tenoca. Os dois amavam-se e respeitavam-se muito.
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Aristenio/ Barbalha- 1945 |
Outra aspécto que eu admirava nele era a coragem com que mantinha a verdade dos fatos, mesmo sabendo que a mesma lhe traria, como
prêmio, uma grande surra: bolos de palmatória aplicados por papai ou surra de
chinelo ou do que estivesse ao alcance de suas mãos, pela mamãe. Suportava
aqueles castigos “fungando” de raiva. As vezes, ou quase sempre, nem chorava. O
que o magoava naqueles momentos não era o castigo em si, e sim o fato de não ser o causador dos conflitos, dos insultos. Sabia que não faltara com o respeito para com ninguém nem, tampouco, desafiara alguém para
brigas. Elas vinham ao seu encontro como os rios vão ao mar. Por ser “ pavio curto” era sempre alvo daqueles que se
considerando mais fortes, mais treinados para lutas corporais, o desafiavam, o insultavam para vencerem-no “na marra.” Entretanto, quase sempre, nosso Tenoca vencia os constantes desafios.
Aride Maria
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Aide e Aride. Praça Trianon-Barnalha 1944 |
Nasceu com limitações relacionadas à alimentação.
Nenhum médico sabia ao certo qual a sua doença. Sua pele repleta de escoriações
que não cicatrizavam. O diagnóstico apresentado, eczema. O tratamento, as águas
curativas das fontes do Caldas. Por esta razão, passamos muito tempo naquele
distrito de Barbalha buscando, em vão, sua cura.
Alergia, me parece, ser doença desconhecida até os anos 40. E ela
era, como o é até os dias atuais, alérgica à lactose, a glúten e a muitas
coisas mais. Assim, um cuidado especial lhe era dedicado. Surgiu, então, em
nossa casa uma garota, uma mocinha de mais ou menos 15 anos Maria Derlmiro, que
passou a ser a babá da Bida. Ela tinha um amor tão grande, aliado a um cuidado
tão ciumento pela criança, que não permitia a nós, seus irmãos e irmã, dela nos
aproximarmos. E nos dizia mais ainda: “Vocês são mal educados, barulhentos,
brigões, minha Bidinha não vai aprender a ser assim”.
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Aride Maria, Barbalha, dezembro de 1946 |
Nossos pais viam toda a devoção da Delmiro pela Bida, ( dormia,
todas as noites, embaixo da rede da menina, como um cão de guarda). Como toda
aquela devoção era aceita muito bem, pela Bida, e retribuída, todos os de nossa
casa achavam tudo muito natural. Daí resultou o fato de nós três, seus irmãos
Aécio, eu e Aristênio não termos nenhum registro de nossa irmã, Aride, fazendo parte dos folguedos de nossa infância.
Com relação a ela, num certo dia quando conversávamos sobre o
assunto, confessou-me não lembrar de ter, em sua infância, participado
de brincadeiras, conversas, peraltices envolvendo seus irmãos bem, como a
mim.E que, por muito tempo, quando ainda criança e pré-adolescente, sentira-se
rejeitada por todos nós,sua família.
Quando lhe falei da invejava que dela sentíamos por ser centro das
atenções, uma princesinha a qual não tínhamos acesso, gostou de conhecer esta
verdade. Lembrou de coisas esquecidas... Rimos muito. Recordamos do nosso pai
nos contando quão brava ficava nossa mãe só em pensar em alimentar sua caçula
com leite de jumenta, (o único tipo de leite que quase nenhum mal
lhe fazendo, a deixaria mais forte e saudável) no que era ajudada por tia
Silvinha. Havia nela um medo muito grande de a filha se tornar tarda de
raciocínio. Nosso pai não podia acreditar que sua mulher, tão inteligente, tão
aberta à vida, tão sábia, acreditasse naquela procissão de pessoas ignorantes,
que chegava à nossa casa assegurando conhecer casos e mais casos de crianças
que jamais aprenderam a ler e a escrever por terem sido alimentadas com o
aludido leite. Sua rendição se deu quando o médico não lhe deixou saída: a
menina viveria e se tornaria saudável tomando o precioso leite, ou morreria por
desnutrição ou infecção causada pelas feridas que se espalhavam, cada dia mais,
por sua pele. Rimos mais quando nos apercebemos da grande força que a “mamãe
jumenta”’ lhe dera de presente ao alimentá-la : não só pôde superar, e muito
bem, dificuldades e tribulações que a vida lhe reservava ,como também soube
transformá-las em precioso lucro: a
família unida e linda que construiu.
Lembro-me bem de Aride quando criança. Uma menina
calada, sossegada e, por causa da alergia não descoberta, meio barriguda. Nossa
mãe, ao cortar seus vestidos deixava a parte da frente bem mais comprida e,
punha bolinhas de chumbo presas à barra da saia para que os vestidos se
adaptassem a seu corpo de modo a não aparecer o barriga (coisas da mamãe,
que sempre tinha uma solução pronta a cada problema surgido). Hoje nossa Bida
está esguia. Deu seu barrigão de presente para mim.
Aide Luna Parente
"É
fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!
Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo."
Postei abaixo, o que recebi de meu irmão,José Aristênio, Aristênio, Tenoca, Dr. Luna, o Luna o Rangozinho, que me conhece bem e é apaixonado pela família.
Como bom Landim Luna, "curte" a Natureza. Também não dispensa bons livros,boas músicas. Apaixonado pelo belo, pelas artes, segue vivendo, e muito bem, em FLORIANÓPOLIS.
Como bom caririense, moooooooooooorre
de saudade do abraço madrugador da
Chapada do Araripe, pintada pelo Criador de os mais variados e brilhantes
verdes que existem no mundo; da água saborosa, límpida, gostosa das fontes de
Barbalha e de Crato.
Sentimos muito a
separação que a vida nos impôs. Mas, como filhos de Jesus e Iaci, damos uma
prega no mapa e nos vemos no coração um dos outros e vice-versa. Hoje foi dia
de festa, estivemos unidos no AMOR.
Maninha,
Primeiro meu beijo. Segundo: diga a Raquel que cada dia fico mais apaixonado por ela. O e-mail que ela me encaminhou é lindo. Vi nas letras a felicidade da Raquel por ter você tão saudável e cheia de alegria. Comungo com ela! Terceiro: o Blog está cada vez retratando com realidade o que fomos e somos. Não o posso ler sem antes tomar um “calmador” ( dose de Whisky) pois fico emocionado e com freqüência choro. Sei que ele não foi feito pra isso; mas a idade esta me deixando muito sensível.
Quando me acordo já não corro mais na rua Pinto Madeira. Quando me acordo já não vejo minha mãe, meu pai, nós em volta da mesa grande de jantar onde ela cortava seus modelos de vestidos. Quando me acordo já não sou o que ficou dezesseis dias no ônibus/caminhão entre Barbalha e Rio de Janeiro contemplando o novo mundo que se configurava nas paisagens da minha janela. Quando me acordo já não sou o estudante de engenharia, o engenheiro destemido, teimoso, sem medo do mundo que então se apresentava. Quando me acordo já não sou o poeta de poucas poesias. Quando me acordo já não sou o atleta. Quando me acordo já se passara 21 horas do meu dia tão pequeno de somente 24 horas. Quando me acorda vejo todos os jardins com os mesmos perfumes e todas as pessoas, como filhos de Deus, iguais. Quando me acordo vejo vivendo uma vida mais racional o que, infelizmente, leva-me a poucos risos. Quando me acordo, sempre quando acordo, sinto falta de todos vocês.
Aristênio
Em tempo: Estamos com o Romulo Júnior em casa; tem sido uma coisa boa. Tira fotografia de tudo e fala pelos cotovelos. A Lúcia esta adorando!