domingo, 10 de fevereiro de 2013

1- Os Landim Luna



       
                                                   
                             1. Os Landim Luna

costurando retalhos dos LANDIM LUNA


POR QUE RETALHOS?

 Retalhos são lembranças. Um retalho solto é como uma ilha. Não comunica. Se juntarmos vários deles teremos um continente com seus segredos, seus encantos, seus mares, suas montanhas, seu solo único, seu modo próprio de ser.
A vocês, meus queridos irmãos e irmãs, filhas, genros, netos, netas, sobrinhos e sobrinhas, primos primas peço-lhes que juntem esses retalhos e os costurem com a linha do amor. Terão, então, uma linda colcha-continente onde poderão se abrigar nas noites frias. Terão, também, oportunidade de reviver, de ver, de rever com olhos novos, sem óculos, a preciosa família que formamos.
Uma Casa diferente, gente cuidando de gente

Há na vida, em família, acontecimentos que nos marcam e que deles nunca esquecemos. Nossa família, os LANDIM LUNA, teve o privilégio de ser guiada por duas pessoas lindas, em todos os sentidos: 


                                                Jesus Cruz Luna/ 1935
               
Papai,Jesus Cruz Luna, um apaixonado pela vida. Um homem risonho, bem-humorado, trabalhador, bom caráter, amigo, exigente no que se referia a sua família e ao trabalho. Sábio, lindo, ótimo dançarino, ótimo contador de histórias, amante da natureza, cuidadoso, caridoso, cristão na essência do termo, avesso à carolices, apaixonado pela esposa sem querer a ela se render, mas sempre se rendendo.                                                                                                                                  

 
                                                  Maria Iaci Landim Luna / 1935


Mamãe, Maria Iaci Maciel Landim ou Maria Iaci Landim Luna séria,concentrada, centrada, amiga, correta, bonita, de uma  beleza exótica, olhos amendoados. "Pavio curto", cuidadosa, cristã na essência do termo, caridosa sem carolices, devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, sábia, aberta ao novo, ávida por boas leituras, ótima ouvinte, pródiga em dar bons conselhos, amada por quem dela se aproximasse, amante das artes, sonhadora com os pés no chão, recicladora, antenada, crítica, mordaz, apaixonada pelo marido, ciumenta sem se dar conta...





Jesus, filho de Otoniel Vitório da Cruz e de Ângela de Luna Alencar

Maria Iaci, filha de José Batista Landim e de Bárbara Sobreira Maciel

Ambos, pelo lado paterno,descendem do capitão José Paes Landim.   Filho do Alferes Simão Rodrigues de Sousa e de sua esposa Úrsula Paes Landim, alagoanos.

Capitão José Paes Landim casado com Geralda Rabelo Duarte, filha do português do Bispado de Vizeu, Domingos Duarte e da baiana de Itapicuru de Cima, Ângela Paes Landim, é um dos pioneiros da colonização do Vale do Cariri, região sul cearense.  Donos de extensos canaviais, o casal fundou o afamado ENGENHO DE SANTA TERESA e é o tronco comum dos TERÉSIOS, as famílias: Cruz, Santana, Macêdo, Olegário, Saraíva, Ribeiro, Vasques, Luna e Landim.

Jesus e Maria Iaci são também da família Alencar. Ele através de sua mãe, Ângela de Luna Alencar. Ela herança do avô materno Francisco de Alencar Landim, dos Alencar de Pernambuco.

A avó materna de Maria Iaci, Francisca Sobreira Maciel era filha de imigrantes italianos e espanhóis.

José Batista Landim, primo de Padre Cícero Romão Batista, legou à filha o parentesco com o santo patriarca de Juazeiro do Norte.

Os Landim Luna são uma maravilhosa miscigenação de raças, culturas, sangue, modo de ser, de estar no mundo. 

Povos italianos, espanhóis, portugueses, alagoanos, pernambucanos, baianos, cearenses pensam, lutam, trabalham, falam, riem, oram, choram,dançam, cantam neles e com eles celebrando a vida.



Assim são os Landim Luna.


Dona Chica






·         ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

·         Carlos Drummond de Andrade




  

2-PROCURANDO SUA AMADA





                2.  Jesus Luna a procura de sua
              amada                          



...retalhos costurados, sol fundindo-se com estrela.
                                                       

O moço bonito do Sítio Farias, da localidade de Cajazeiras em Barbalha, Jesus Cruz Luna, buscou, tão logo se deu conta, a mulher que o completaria.

Traçou, com o coração e a inteligência, seu retrato. Retrato do corpo e da alma. Sabia que somente com aquela que idealizara, seria feliz.

A moça de seus sonhos, devia ser: aberta á vida e despojada, alegre mas não ruidosa, inteligente e simples, criativa sem ser apresentada, temente a Deus e sem carolices. Sua pele não poderia ser branca, preferia uma morena clara de olhos de mel, cabelos castanhos, boca rosada, olhos falantes, porte de rainha sem se apegar à coroa, delicada mas decidida, nova sem ser criança, bela de uma beleza que combinasse com a sua, altura mediana, que soubesse pisar bem, quando de salto alto. Inteligente, criativa e discreta e, sobretudo, que soubesse entender e respeitar as pessoas tal qual são, sem impor regras ou restrições.

Já quase aos trinta anos entrando, seus pais pensavam que nunca se casaria. Desdenhara “os melhores partidos” de Juazeiro, Crato Barbalha e Missão Velha. Os pais cansados estavam de  apresentar-lhe possíveis namorada, noiva ou esposa.  “Quem ele pensa que é, para procurar entre as mulheres, a desejada, aquela de seus sonhos?” Indagavam-se dona Anginha e o professor Otoniel, seus pais. Ele manteve-se firme em seu propósito. E, em um certo dia, quando já instalara sua empresa em Barbalha, viu em Juazeiro do Norte a mulher sonhada, a desejada. 

De blusa branca e saia godê, de um róseo-avermelhado, destacava-se na multidão que conduzia o andor de Nossa Senhora. 


Uma fita azul com uma Medalha Milagrosa repousava  em seu peito. Ele parou e, alegre pala surpresa, acompanhou a procissão.



Precisava saber quem era aquela moça bonita. Onde morava. Como vivia. Naquele dia, nada soube dela. A moça, acompanhada de amigas, deteve-se na sorveteria. Pode gravá-la bem na memória e avaliar sua postura. AMOU O QUE VIU.


Maria Iaci ladeada por duas amigas
Juazeiro, Ceará/ 1935

/"Saberei aonde encontrá-la", pensou acertadamente. "Na Igreja Martiz de Juazeiro, com certeza, estará no próximo domingo. Lá eu a verei".

Voltou para Barbalha despreocupado e contente. No domingo seguinte, participou de todas as missas da manhã, na Igreja Matriz de Juazeiro. Na última, a viu. Agora, pensou, saberei quem é ela. Após a missa,  seguiu-a. Quando a viu entrar em sua casa, anotou o número  e o nome da rua.

Maria Iaci Maciel Landim/1934
                                                       
                                            
 A um amigo discreto, perguntou se a conhecia. Ele  respondeu-lhe que sim. “É a filha mais velha de seu Landim. Mas ‘tire seu cavalinho da chuva’ camarada, ela é indomável. É lindíssima, mas não sabe disso. Não é de muita conversa. Trabalha e é a luz em sua casa. A ‘um pé de valsa’ como você, não se dignará dar uma só olhadela, e se você pensa em namorá-la, está perdendo seu tempo.”
        
Na semana seguinte, todos os dias, após fechar a sapataria em Barbalha, ia a Juazeiro para registrar os hábitos daquela família. 


Em uma dessas "vigílias", viu dona Neném( Bárbara Maciel Landim) e as filhas, Maria Iaci, Nair, Emir e Luci, bem como a ajudante e amiga da casa, Carmina, saíndo de casa. Percebeu que outras pessoas a elas se juntavam. Encaminhavam-se à casa da madrinha Ritinha e do tio Josias para a festa da Renovação do Sagrado Coração de Jesus e o de Maria. A reza, seguida de foguetório e de merendas, seria as sete horas daquela noite.

Não pensou duas vezes. Tinha que aproveitar a chance que se lhe apresentava. Bateu à porta da casa e José Batista Landim, o chefe da família, meio desconfiado, o atendeu: 


                  José Batista Landim/ 1941, Juazeiro-Ce.                 
Quem é o senhor? O que deseja em minha casa a esta hora  da noite? Se é caso político que o traz aqui, não abra a boca. Desapareça. Desde que meu compadre e amigo, Doutor Floro Bartolomeu deixou este mundo, não me meto mais com política.

- Seu Landim, o assunto que me traz aqui é outro bem diferente. O senhor permite que em sua casa, eu entre?

- Antes, moço, diga-me quem es.

Meu nome é Jesus Cruz Luna. Sou barbalhense, filho de barbalhenses. Trabalhei por um tempo aqui em Juazeiro com meu cunhado, Antônio Mariano.

- Ora mais essa! Antônio Mariano é meu amigo. Entra rapaz. Diga-me o que te traz a minha casa.
Depois de confortavelmente sentados em cadeiras da sala de visita, Jesus revelou a José Batista Landim o porquê de sua visita. 
- Seu Landim, eu vim hoje aqui pedir sua filha Iaci em casamento.

- Iaci? Estás brincando? Maria Iaci, moço, nunca nos falou sobre casamento, noivado ou namoro. Ela não é dada a namoricos.

- Eu sei, seu Landim. É por isso mesmo que a quero para minha esposa. Ela é minha namorada. E mais, estou apaixonado por ela. 

- Iaci, Jesus, nunca nos escondeu nada. Temos um relacionamento aberto. Agora vens com essa história de  casamento  e me dizes que es  o namorado dela? 

- Desculpe-me, o senhor me entendeu mal. Eu não sou o namorado de sua filha. Ela nem me conhece... Eu sim, eu a namoro e afirmo que ela é minha namorada e  que quero me casar com ela.

- Não te entendo bem, rapaz. É uma história complicada esta tua. Necessito de uns minutos para absorvê-la...Minha filha, Maria Iaci, é tua namorada. Tens certeza disto?

- Tenho sim. Tenho certeza absoluta.

- Entretanto, não es o namorado dela. Ela não se enamorou de ti.

Olhando para Jesus, desabou numa alegre gargalhada. O rapaz, calado, esperou que o pai da mulher amada terminasse seu desabafo. Enxugando as lágrimas, seu Landim pediu:

- Conta-me, Jesus, como conheceste minha filha.

- Conhecer, conhecendo, falando, discutindo, ouvindo, nunca a conheci. Conheci-a através de sonhos, de buscas, de procuras. Eu sei, com certeza, que nós dois nascemos  um para o outro.

- Não acredito nisso. Percebo, porém, que queres realmente,  casar com minha filha. Preciso, portanto, falar-te sobre ela. É uma mulher linda de corpo e de alma. É generosa, ativa, criativa, trabalhadora e muitas coisas boas mais. É maravilhosa, uma filha que todo pai deseja para si. Entretanto, tem um gênio danado. Eu a comparo a um cavalo selvagem. Não se deixa domar. É teimosa quando pensa que está certa em suas afirmações. Tem ânsia de liberdade. Acho que  não fazes um bom negócio casando-te com ela.

Foi a vez de Jesus gargalhar.

- Seu Landim, o que mais me encanta nela é sua forte personalidade. Hoje, peço sua permissão para me casar com ela.

- Estás   me parece muito seguro. E se ela não te quiser, não te aceitar?

- Tenho certeza que me aceitará. Tão logo o senhor ma conceda em casamento, eu a conquistarei. Eu, seu Landim, procurei-a por todos os lugares e a encontrei numa procissão.

José Batista Landim rendeu-se àquele rapaz que amava sua filha, que reconhecia nela os dons, a alma forte, reta e pura. Entendeu que o moço necessitava de sua ajuda. Levantando-se abraçou-o dizendo:

- Meu maior tesouro, eu o deposito a teus cuidados. Iaci é dessas mulheres que magoada, prefere morrer. Cuide bem dela.

Retornando á Barbalha, Jesus partilhou com sua mãe, Ângela Luna, dona Anginha, que encontrara, finalmente, a mulher que tanto procurara. Informou-a que já acertara com o pai da moça, o casamento. Pediu-lhe que o ajudasse a conquistar a noiva arrumando numa cestinha, lindas e vermelhas romãs do sítio da irmã de seu pai, tia Sinobre, entremeadas com jasmins ou rosas brancas, porque este seria o primeiro presente seu para sua amada.                            
                            
                                                                                
                        
A cestinha chegou ao seu destino. O presente se repetiu por três vezes. Seu Landim nada comentou. Aguardou a reação de Maria Iaci bem como o a da esposa e das demais filhas. Iaci nem desconfiava que para ela, as mesmas se destinavam. 
                                                                                                   
Casaram-se onze meses depois, no dia 30 de novembro de 1935. Maria Iaci e Jesus Luna se deram um ao   outro inteiramente, incondicionalmente.


Depois do primeiro filho, Carlos Aécio, chegou-lhes uma menina pequena, franzina. Seu Landim a amou com amor de avô e de pai. Aquela neta de cabelos finos, pequenina , indefesa que o olhava com olhares de encantamento, tocou fundo seu coração. Amou-a e mimou-a sem restrições. Nela derramou-se por inteiro. Inocente, carente, sem saber o porquê, do avô, o oásis, a menina passou a ser.

Carmem Aide


Vem meu amor não demora
Vem...
Perfumar nossas manhãs
com cheiro de jasmim e de belas rosas,
com gosto de fazenda carinho
de maçãs e frutas saborosas.
Há vem...
Fazer oferendas a tua Deusa do amor!
Vem ofertar ao sol se por
como alimento para
entre beijos roubados com 
as delícias das
romãs. Vem não demora!

Vem fazer de mim tua taça.
Com líquido inquieto,
infusão apurada o teu ato de graça.
Vem ser minha coroa a qual sou fiel...
Faz-me de rainha que te faço alteza.
Vem ser todo céu...
Vem tomar o espaço que é da mãe natureza.

Vem não demora...
Faz de mim tua amante.
Tua estrela cigana teu
talismã ofegante.
Vamos...? Fazer de nossas
vidas sol fundindo-se com estrelas?
Vamos levar todos os 
rios rumo as cachoeiras?
Vem não importa como...
Só não esquece minhas rosas
vermelhas.

Marisa Torres


      "Quando  eu não te tinha
 Amava a natureza como um monge calmo a Cristo...
      Agora amo a natureza como um monge calmo a Virgem Maria...
Religiosamente, a meu modo, como antes,
Mas de outra maneira, mais comovida e mais próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor...
Tu não me tiraste a natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste a Natureza para o pé de mim.
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Porque tu me escolhestes para te ter e te amar,

Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou..."


   Fernando Pessoa




                3. Os Landim Luna e a primeira filha
     



Seleciono da colcha Landim Luna, retalhos para vocês.


Eu, Aide, a segunda Landim Luna, conheci Jesus e Maria Iaci tão logo me dei conta da vida. Orgulhava-me muito deles, especialmente de meu pai. Entre nós sempre houve algo que transcende o entendimento, ao amor entre pai e filha. Foi meu confidente, meu amigo, meu guia. Tiranizou-me muitas vezes. Admirou-se e orgulhou-se de mim, vezes sem conta. Entendiamo-nos sem palavras, pelos olhares e gestos. Brigamos inúmeras vezes. Em todas, ele se rendeu. Envergonhei-me dele e o disse. Ele engolindo os desaforos, ria-se para não chorar. Dele sinto uma saudade imensa. Dele herdei muitas coisas, entre elas, o zelo pelas pessoas que me são caras.

Com relação a minha mãe, eu a respeitava, temia e a admirava. Não havia nenhuma cumplicidade entre nós. Por antever fatos, ela me preparou muito bem, para receber seu legado: os filhos.

Desde cedo, aos meus cinco anos, ela me enviava á Juazeiro com uma lista de compras a ser entregue a titia Nair e uma bolsinha com dinheiro. Aos dez, me entregou uma lista bem comprida. A mim, me cabia escolher e comprar tecidos para as roupas dos meninos  Aécio e Aristênio, meus irmãos, vestidos para  minha irmã Aride e para mim, bem como para os das moças que trabalhavam em nossa casa. Disse-me, na ocasião, dedo em riste, “nada de trazer amostras de tecidos. Compre o que você achar conveniente. Seja cuidadosa. É para vestirem na festa de Santo Antônio. Nada de extravagâncias, nada de miséria, de poupar tostões.” E lá estava eu nas lojas de tecido:  Casa Nova Aurora, e Casa Sampaio; nos lugares de venda de aviamentos, buscando cumprir a missão a mim outorgada.


Na Casa Nova Aurora, os balconistas me recebiam encantados e perguntavam-se: “Como pode esta menina escolher e comprar tecidos para vestir a casa de dona Iaci?” Lembro-me de Edeltro convidando-me a passar para o lado de dentro do balcão, e  oferecendo-me um banquinho para que eu pudesse, de pé sobre o mesmo, passar minhas mãos sobre os tecidos e escolher aqueles que mais se me afigurassem próprios a seu fim.


Nunca comprei nada que não agradasse a minha mãe. Ela, astutamente, me ensinava a ter olhos de ver. A aprender, tocando, avaliar a qualidade do tecido.



Uma semana antes de sua partida para a eternidade, nos encontramos. Ela fragilizada encontrou em mim, mocinha de dezessete anos, o ombro amigo, a confidente, a filha amada. Papai aprontara-lhe uma grande e vergonhosa traição. Eu não sabia. Ela também não ma contou. Pediu-me apenas que, naquele domingo, não regressasse à Crato, como pretendia. Respondi-lhe que não podia retardar minha volta. Havia trabalhos e provas  esperando-me.  Indagou-me: “ E se eu fizer uma cartinha relatando que você teve que faltar as aulas por motivo de saúde?” Expliquei-lhe que nem mesmo assim. Eu me responsabilizara por apresentar um trabalho realizado em grupo. Não tinha como me comunicar com as colegas. Ela aquiesceu. Fez-me prometer que no próximo fim de semana, estaria com ela. Estranhando seu comportamento, perguntei-lhe se estava com algum problema. Afirmou-me que estava bem. Queria apenas conversar algumas coisas comigo. Retornei á Crato. Aquele foi nosso primeiro e último encontro. Reencontrei-a adormecida. Dormia o sono eterno.

Por que eu e ela não nos entendíamos? A pergunta foi respondida muitos anos depois. Através de várias orações de cura interior, encontrei-me com a causa: rejeição. Eu fora rejeitada por ela, em seu útero. Perguntei a tia Silvinha se acompanhara mamãe ao me dar á luz. Respondeu-me que sim. Disse-me que travara com a mesma uma imensa luta. Com dores de parto, recusava-se a parir. Segurando-se em um dos armadores de seu quarto, tudo fazia para que eu não nascesse. E quando nasci, ao lhe ser apresentada, virou o rosto. Não me olhou. Hoje diriam: “depressão pós-parto.” Eu a compreendi. Casara-se aos 30 de novembro de 1935. Aécio, o filho do seu amor, o esperado, nasceu aos 29 de novembro de 1936. Um ano completo, fechado, lindo. Então, poucos meses depois, engravidou. Uma lástima. Como não amamentar o filho amado? Quem se atrevera a lhe tirar do mundo encantado aonde vivia? Eu, a menina intrometida, eu, a menina não programada, não esperada. O casal mal se curtira. A família: pai, mãe e filho completada. Agora não. Não é hora. Não quero. Mas eu teimei. Deus me sustentou com Suas Mãos, e eu cheguei para ficar. Parece uma história triste. Não é. É uma história de combates, de vitórias. O Pai  preparava-me para trabalhar com Seu povo sofrido, oprimido, incompreendido. E somente quem sofre, sabe o que é a dor, o desconsolo, o desencanto de sentir-se um alguém “a mais”, deslocado, rejeitado.
                                  Aide, janeiro/1939- Barbalha-Ce

Mamãe fazia tudo para disfarçar aquela falta do primeiro contato, do primeiro olhar, do sentir o cheiro, tão indispensável a uma relação aberta, feliz, plena, entre filha e mãe. Aos demais filhos desculpava. Arranjava um meio para minimizar-lhes as faltas, as fragilidades. Com relação a mim, não. Nada de fraquezas. Muitas exigências. 
                                                  
Aide, 1944
Nunca me cobrou, sem haver me proporcionado meios maravilhosos de crescimento.  Sua filha tinha de tudo. Do bom e do melhor. Professores particulares, livros, revistas, jogos, tudo... Por que não cobrar? Errou? Creio que não. Ela nunca se deu conta.  Antenada, percebera que com aquela menina, nada de moleza. Só dureza. Só cobranças. E agradeço-lhe por isso.  
Aide,1946, Barbalha-Ce.
Agradeço-lhe por haver me forjado tão maravilhosamente. Que Deus a tenha. A Deus, através dela, agradeço pelas cobranças, pelas exigências. Ela percebera em mim, aquilo que um dia eu seria: uma pessoa buscando em Deus, pelos Carismas, no Paráclito, o Consolador, aliviar os sofrimentos e as dores dos irmãos e irmãs encontrados pelo caminho.

Aide,1945-Barbalha-Ce

Quando, após oração e aconselhamento, vejo alguém que antes chorara, tentara contra a própria vida, dançar, cantar, proclamar as Maravilhas de Deus em sua vida, percebo a presença indispensável de minha sábia mãe exigindo-me compromisso, ação, lealdade, bondade, despojamento. Como não exultar de alegria? Como não celebrar com minha vida, as vidas resgatadas?
                                                      

Antes

                                             
Depois
E foi assim que eu vivi com ela. Papai percebendo o clima  trouxe-me a si. Foi maravilhoso. Que pai eu tive! Quando vinha, menina moça, de Crato onde cursava o Normal e Contabilidade, à Barbalha nos fins de semana, encomendava um jantar a dois: eu e ele. Saiamos de braços entrelaçados. Ele alegre, eu feliz. Ele expectante, eu pronta a lhe fornecer informações. Não me interrogava. Falava-me sobre a vida. Punha-me a par dos acontecimentos mundiais. Sabia que eu sentia falta daquelas conversas. Prodigamente me punha a par de tudo. Olhava-me com muito amor e esperava. A “torneira” abria-se. Meu coração derramava-se no coração daquele pai atento, amigo, galante... daquele pai que orgulhosamente, carregava na carteira bem junto do seu coração, meu boletim escolar, onde os dez se repetiam.
                                               
Aide Landim Luna, Recife- 1958



Aide no laguinho do Colégio Santo Antônio- Barbalha
Aide na praça Padre Cícero, Juazeiro do Norte- Ce.


Aide L. Luna/ 1957 - Barbalha-Ceará


Aide Landim Luna





                       
Nossa mesa, sempre bem forrada com toalha impecável, era respeitada. Ouvia seus amigos comentando: “É mania de Jesus sair com sua menina. Estão ali parecendo namorados.” Ou “Cuidado! A menina de Jesus está jantando com ele. Nada de piadas. Se ela ouvir algo que a aborreça, ele nunca mais falará conosco. Perderemos um precioso amigo.”

E mamãe, como via o fluir dessa amizade? Com alegria. Esperava-nos. Papai contava-lhe tudo acerca do encontro. Ele ria alegremente da estranheza dos amigos e acrescentava orgulhoso: “Coitados. Não têm uma filha tão bonita, tão boa quanto nós.” Ela então, quase sempre me perguntava se ainda me sentia bem morando em Crato, na casa de tia Zefinha. Tia Zefinha! Minha tia nunca permitiu que eu me sentisse estranha em sua casa. Abriu-me o coração e me acolheu por inteira, dentro dele.

E por que estou escrevendo sobre isso? Simplesmente porque sinto saudades. Porque há alguns dias atrás recebi novamente, plenamente, o AMOR DE DEUS, através do RES, Repouso no Espírito Santo, ministrado pelo santo missionário de Deus, padre Antonello Cadeddu, um dos fundadores da Comunidade Aliança de Misericórdia.                                         

       

Aide e Padre Antonello
 Durante o mesmo, além de  amorisar-me, o Santo Espírito levou-me à morte de minha mãe. Eu ficara enraivecida. Mamãe, muito organizada, todas as noites, findo seu trabalho, antes de dormir, passava uma vassoura por toda a casa. Arrumava tudo cuidadosamente.  “Nunca se sabe o que pode acontecer à noite. Tenhamos cuidado. Arrumemos nossa casa.” No dia em que adormeceu definitivamente neste mundo para acordar na eternidade, preparava a casa para a chegada do bebê gestado em seu ventre há oito meses. A casa totalmente desorganizada. Escadas, tintas, areia, cal, poeira... Ao perceber a cena, chamei meus irmãos e com as ajudantes de nossa casa começamos a varrer as sujeiras. Escadas retiradas. Os pintores estarrecidos. "Terá ela enlouquecido?" Buscaram meu pai. Ele lhes respondeu: “Ela agora é a dona. Façam tudo o que ela mandar.” As moças de nossa casa choravam, e exclamavam: "que doidice!" Engano. Eu queria honrá-la. Queria arrumar a casa que desmoronara, para ver se assim, ela voltava. O povo de Barbalha estranhou aquele gesto. Nunca me incomodei com isso. Queria, ó como queria, que o mundo girasse para trás. Queria voltar àquela noitinha em que nós duas nos encontramos. Uma só vez, mas tão forte, tão nosso, que nem o tempo, nem a morte, o diluiu.



 MEUS PRIMEIROS AMORES


1- Cabecinha de Arroz , Vovô Landim
                  

Pai Landim, vovô Landim (José Batista Landim), sem  sombra   de dúvidas, foi o primeiro e maior amor da minha infância. Eu sua neta querida, a menina sonhada por ele...Neném Landim (Bárbara Maciel Landim), minha avó, percebendo o quanto meu avô procurava realizar todos os meus desejos brincando comigo como se fosse uma criança, justificava o comportamento do marido afirmando que ele amara muitíssimo a primeira filha,  ELCÍDIA, e a perdera quando a mesma  casara-se com Cesídio Arraes. Depois transferiu o amor para mamãe. Agora ele podia  dar-se ao luxo de brincar com a filha da filha amada e mimá-la muito. Eu ouvia aqueles comentários sem me importar ou perturbar. Eram conversas sem importância. Meu CABECINHA DE ARROZ, este sim, este me importava muito. Era meu tesouro.




José Batista Landim/ 1942, Juazeiro-Ce.

Fato inédito naquela família: seu Landim sair a passear com uma menininha de 4 ou 5 anos para ter o prazer de vê-la metendo as mão nos bolsos do seu paletó, sempre branco, certa de neles encontrar seus bombons preferidos. Comprar-lhe sorvetes, picolés e pirulitos. Pô-la para dormir...



Se não fosse a bronca de seu Jesus Luna, eu teria sido criada por meus avós maternos. Papai obrigou minha mãe a me pegar à força, tirando-me dos braços de meu avô e levar-me de volta para nossa casa em Barbalha.



Papai  esperava-me cheio de presentes. Mas, durante muito tempo,   senti-me deslocada em minha própria casa.


Como meu pai percebera que se eu voltasse a Juazeiro, seria traumático, tanto para mim quanto para mamãe e muito mais para vovô, pediu a mamãe para não mais me levar até lá. Assim, a última lembrança que guardo de Pai Landim, é seu olhar magoado pela perda da companhia da neta. Faleceu em 1943 de ataque cardíaco, mais ou menos, uns três meses após mamãe ter me tirado dele.



2- Crica e titia,Vicente Leite e  Nair Maciel          
        Landim



Lembro-me que ainda pequena,  5 a 7 anos mais ou menos, mamãe escrevia um bilhete para titia e uma lista de compras (tecidos e aviamentos) a serem adquiridas em Juazeiro. Colocava o dinheiro e tudo o mais numa bolsinha informava-me que naquele dia eu iria a Juazeiro. Esperava comigo “a sopa”, um veículo feito bonde, mas com pneus e movido à gasolina, que tinha como motorista o Crica (Vicente Leite).


Vicente Leite (Crica) 1942/ Juzeiro- Ce.


A sopa parava no terreno baldio ao lado da nossa casa. Mamãe "entregava-me” aos cuidados do Crica.  Ele ria, colocava um banquinho baixo a seu lado, e lá íamos nós como se não houvesse mais ninguém naquela sopa. Ao chegar à Juazeiro, após a saída dos passageiros, na praça Padre Cícero, pegava-me pela mão ou me carregava no colo e me deixava na esquina do quarteirão (naquele tempo o último da rua São Pedro, perto da Igreja Matriz). Permanecia de pé,sem se mover, esperando que eu entrasse na casa de meus avós.


Penso que nesse meu ir e vir a Juazeiro, titia e Vicente enamoraram-se. Ele durante toda sua vida afirmou para os filhos, ser eu sua filha mais velha, a negona, e que nenhum deles pensasse em tomar meu lugar, “ela é a primeira", afirmava sempre.



Nair Maciel Landim/ 1944,Juazeiro-Ceará

Hoje quando vou à casa das meninas (as filhas de titia), não falo nada sobre o assunto. Entretanto sinto muito a falta dos dois, principalmente depois que meu amado partiu para a casa do Pai. Aliás, desde seu falecimento, afastei-me muito das pessoas queridas. Busco guardar distancia dos lugares onde curtimos as coisas boas que a vida nos ofereceu com tanta fartura. É um limite meu e não luto para livrar-me do mesmo.

“ Quando, no amor se travam batalhas, desperta fica a alma para os embates da vida. E, sabendo ser toda batalha dolorosa, não a considera, mesmo assim, por antecipação, perdida. Só para amar o amor se antecipa. Com grandeza e sobriedade, às indagações de quem ama ele confere sentido”.

“Os que amam renascem. E mesmo os que, por amor, perecem, deixaram atrás de si um traço. Uma presença, que mesmo em sua ausência, tempo algum pode apagar”

Padre Airton Freire – Am(ai)

               



4.Os quatro primeiros LANDIM LUNA


Irmãos:  retalhos diferentes numa colcha costurados


Como percebo nossa família nos anos anteriores ao nascimento dos cinco últimos personagens.

Uma família barbalhense, respeitada, católica, bem cuidada, alegre e acolhedora. Seis membros a compunham:
- os pais:  Jesus Luna e Maria Iaci;
- os dois filhos: Carlos Aécio e José Aristênio;
- as duas filhas: Carmem Aide, depois ,apenas Aide, e Aride Maria.




> Aride Maria, José Aristênio, Aide, Carlos Aécio.


Tratados pelos pais conforme suas personalidades, os primeiros Landim Luna buscaram intuitivamente, desde cedo, cultivar entre si valores como confiança, respeito, carinho, atenção, ajudas e exortações no tempo certo,  garantidores da AMIZADE SÓLIDA que mantém a família unida e sempre crescendo em sabedoria nos dias atuais.

Leitura que faço de meus irmãos e irmã em nossos primeiros anos:

                                                       
Carlos Aécio/outubro 1938




                                         Carlos Aécio 
                                                                                                                                                   
Sem sombra de duvidas, o filho amado, o esperado amorosamente por minha mãe. “Meu louro, meu lourinho”, era assim que ela o tratava.

Nós, eu, Aristênio e Aride bem como papai, sabíamos disso e não nos perturbávamos. Hoje, olhando para reações e ações em minha vida, me dei conta de que me sentia rejeitada diante do imenso amor que ela dedicava ao filho mais velho; o primeiro, aquele dos seus sonhos de moça e de jovem esposa. Entretanto, os mecanismos de defesa que temos em nós são poderosíssimos, e isto nos possibilita viver caminhando por atalhos que vamos encontrando. Aquela preferência explicita, se influenciou de maneira negativa na formação de minha personalidade, por outro lado  forçou-me a abrir caminhos...   foi bom.


Mas falando ainda do LOURO, aquela predileção materna, o marcou profundamente. À medida que o amava, mamãe, nele, depositava suas expectativas...


O garotinho “meu homenzinho” obrigou-se a ser adulto sem viver a infância em sua plenitude. Um menino esguio, lindo, sério, amigo de meninos parecidos com eles ( o que hoje  classificaríamos de chatinhos, de meninos-velhos, homens).


Aos cinco anos e meio, ganhou de papai um cavalinho (meio pônei, todo branquinho) ao qual batizou de PINGO DE OURO. Ele e o cavalo se entendiam de uma forma maravilhosa. Muitas e muitas vezes as amigas e amigos de nossos pais mandavam recados acerca das “acrobacias” que nosso irmão costumava realizar com seu cavalo. Nossos pais riam, orgulhavam-se. Por mais que os outros pais perguntassem ao nosso, o lugar ou de quem  havia comprado aquela maravilha de cavalo, recusava-se a fornecer qualquer pista. “Um só pingo de ouro é o que toda a Barbalha verá. E assim foi.



Aécio e seu cavalo Pingo de Ouro/ março /1942
                            

Em nossas “viagens” a Missão Velha, à Chapada do Araripe, a Cajazeira do Farias, papai pedia a Aécio que me cedesse o PINGO, e lhe oferecia um dos seus lindos e grandes cavalos. Assim, eu me sentia também um pouco dona dele. É necessário que eu deixe bem claro que  Aécio, por se saber dono daquela maravilha, nunca foi egoísta para comigo nem tampouco para com Aristênio em se tratando do PINGO DE OURO. 
                     

Creio que aquele amor maior de mamãe não foi bom para nosso irmão. Ele não soube viver bem sem ela. Quando nos tornamos adultos, ficamos mais amigos, Aécio e eu. Nele havia uma dor constante. Julgava-se devedor de nossa família, “maninha, eu falhei com vocês, saí de casa e deixei tudo em suas costas. Fugi de minhas responsabilidades”. Conversávamos sobre esse assunto e eu, bem como meu marido, Francisco Ribeiro Parente, procurávamos fazê-lo entender que ele não fugira de nada, apenas fizera suas escolhas, assim como eu fiz as minhas.


Numa das noites em que dormi em sua casa, conversamos até muito tarde sobre tudo o que havia em nossas memórias e corações. Busquei consolá-lo e convidei-o a que juntos, recordássemos nossa tão buliçosa infância, adolescência e juventude. Respondeu-me que simplesmente não se lembrava de nada. Apagara tudo da memória para não sofrer. Na noite seguinte, estando toda sua família reunida, fui relatando fatos vividos por ele. Os filhos e netos divertiram-se, riram e ele só me olhava, perguntando de onde eu tirara tudo aquilo. Era o Aécio–sonso, como eu o chamava na infância. Aprontava, aprontava, e depois ficava com aquela carinha de menino-homem  escondendo-se, fazendo papai ou mamãe pensarem que  nada sabia sobre o acontecido dos comentários que ouvia. E ganhava dos dois. 

                                
                                        
                                           José Aristênio
                                                   
José Aristênio. Barbalha junho de 1942
  

Um menino forte, lábios grossos, musculoso . Inteligência rápida e buliçosa. Não sabia ficar quieto, sem alguma ocupação.


Ao contrário do Aécio, era elogiado pelos professores, especialmente pelas professoras a quem conquistava logo no início de cada ano letivo. Onde ele estivesse, estavam presentes a alegria, o bom humor e os ditos engraçados. AMAVA MAMÃE DE PAIXÃO. Não escondia de ninguém esta realidade. Para ela,  cantava canções que criava. Para ela, fazia serenatas.


Todas as pessoas que visitavam nossa casa, e eram muitas, especialmente aos sábados, dia da feira semanal de Barbalha, gostavam da companhia do nosso Rangozinho. Com facilidade invejável, por fazer parte de sua personalidade, sempre tinha algo a dizer de maneira generosa, a cada uma delas, que repetiam,alegres, seus ditos e sentindo-se acolhidas, importantes e respeitadas.


Nossos tios, tias, primos e primas sabiam que com ele não se devia “mexer” porque quem se atrevesse a fazê-lo, receberia o “troco” em forma de bofetões, mordidas, golpes com os pés, palavrões, e outros. Entretanto, era querido de todos porque nenhum de nós possuía como  ele, o dom de saber fazer e cultivar amizades. Fossem pessoas idosas, fossem crianças,usava com maestria palavras que lhes alimentassem a autoestima e com isso, “ganhava” a todos. Por outro lado, não suportava que ninguém lhe faltasse com o respeito. A resposta a qualquer coisa que o ferisse era imediata, não importando a idade, sexo ou posição social da pessoa. Consequentemente, invariavelmente,  tomava uma surra do meu pai ou da minha mãe, todo santo dia.




Aristênio. Barbalha, dezembro de 1946



Divina, uma sertaneja bonita, cozinheira nossa, o amava muito e ao mesmo tempo gostava de vê-lo agitado, e enfezado. Pôs-lhe o apelido de RANGÓ.  Ficava furioso quando era chamado ou citado pelo apelido. O mundo parecia vir abaixo... a briga instalava-se. Baderna total, sem contar com o que aprontava...


Sabia,e muito bem, sair em defesa do irmão e dos amigos. Papai percebeu desde cedo que naquele menino estava a semente de um grande homem, percebeu também que não podia permitir que, na vida, se deixasse guiar apenas pelos impulsos, pelos instintos. Então, buscava tê-lo sempre ocupado, no que era ajudado por tio Ótom, (padrinho de Batismo do Rangó). Com sua educação e sensibilidade, esse nosso tio e vizinho, conseguia fazer maravilhas com o Tenoca. Os dois  amavam-se  e  respeitavam-se muito.



Aristenio/ Barbalha- 1945
                                            
Outra aspécto que eu admirava nele era a coragem com que mantinha a verdade dos fatos, mesmo sabendo que a mesma lhe traria, como prêmio, uma grande surra: bolos de palmatória aplicados por papai ou surra de chinelo ou do que estivesse ao alcance de suas mãos, pela mamãe. Suportava aqueles castigos “fungando” de raiva. As vezes, ou quase sempre, nem chorava. O que o magoava naqueles momentos não era o castigo em si, e sim o fato de não  ser o causador dos conflitos, dos insultos. Sabia que não faltara com o respeito para com ninguém nem, tampouco, desafiara alguém para brigas. Elas vinham ao seu encontro como os rios vão ao mar. Por ser “ pavio curto” era sempre alvo daqueles que se considerando mais fortes, mais treinados para lutas corporais, o desafiavam, o insultavam para vencerem-no “na marra.” Entretanto, quase sempre, nosso Tenoca  vencia os constantes desafios.




Aride Maria


Aide e Aride. Praça Trianon-Barnalha 1944



Nasceu com limitações relacionadas à alimentação. Nenhum médico sabia ao certo qual a sua doença. Sua pele repleta de escoriações que não cicatrizavam. O diagnóstico apresentado, eczema. O tratamento, as águas curativas das fontes do Caldas. Por esta razão, passamos muito tempo naquele distrito de Barbalha buscando, em vão, sua cura.


Alergia, me parece, ser doença desconhecida até os anos 40. E ela era, como o é até os dias atuais, alérgica à lactose, a glúten e a muitas coisas mais. Assim, um cuidado especial lhe era dedicado. Surgiu, então, em nossa casa uma garota, uma mocinha de mais ou menos 15 anos Maria Derlmiro, que passou a ser a babá da Bida. Ela tinha um amor tão grande, aliado a um cuidado tão ciumento pela criança, que não permitia a nós, seus irmãos e irmã, dela nos aproximarmos. E nos dizia mais ainda: “Vocês são mal educados, barulhentos, brigões, minha Bidinha não vai aprender a ser assim”. 

                                    


Aride Maria, Barbalha, dezembro de 1946

Nossos pais viam toda a devoção da Delmiro pela Bida, ( dormia, todas as noites, embaixo da rede da menina, como um cão de guarda). Como toda aquela devoção era aceita muito bem, pela Bida, e retribuída, todos os de nossa casa achavam tudo muito natural. Daí resultou o fato de nós três, seus irmãos Aécio, eu e Aristênio não termos nenhum registro de nossa  irmã, Aride, fazendo parte dos folguedos de nossa infância.


Com relação a ela, num certo dia quando conversávamos sobre o assunto,  confessou-me não lembrar de ter, em sua infância, participado de  brincadeiras, conversas, peraltices envolvendo seus irmãos bem, como a mim.E que, por muito tempo, quando ainda criança e pré-adolescente, sentira-se rejeitada por todos nós,sua  família.


Quando lhe falei da invejava que dela sentíamos por ser centro das atenções, uma princesinha a qual não tínhamos acesso, gostou  de conhecer esta verdade. Lembrou de coisas esquecidas... Rimos muito. Recordamos do nosso pai nos contando quão brava ficava nossa mãe só em pensar em alimentar sua caçula com leite de jumenta,  (o único tipo de leite que  quase nenhum mal lhe fazendo, a deixaria mais forte e saudável) no que era ajudada por tia Silvinha. Havia nela um medo muito grande de a filha se tornar tarda de raciocínio. Nosso pai não podia acreditar que sua mulher, tão inteligente, tão aberta à vida, tão sábia, acreditasse naquela procissão de pessoas ignorantes, que chegava à nossa casa assegurando conhecer casos e mais casos de crianças que jamais aprenderam a ler e a escrever por terem sido alimentadas com o aludido leite. Sua rendição se deu quando o médico não lhe deixou saída: a menina viveria e se tornaria saudável tomando o precioso leite, ou morreria por desnutrição ou infecção causada pelas feridas que se espalhavam, cada dia mais, por sua pele. Rimos mais quando nos apercebemos da grande força que a “mamãe jumenta”’ lhe dera de presente ao alimentá-la : não só pôde superar, e muito bem, dificuldades e tribulações que a vida lhe reservava ,como também soube transformá-las em  precioso lucro: a família  unida e linda que construiu.

Lembro-me bem de Aride quando criança. Uma menina calada, sossegada e, por causa da alergia não descoberta, meio barriguda. Nossa mãe, ao cortar seus vestidos deixava a parte da frente bem mais comprida e, punha  bolinhas de chumbo presas à barra da saia para que os vestidos se adaptassem a seu corpo de  modo a não aparecer o barriga (coisas da mamãe, que sempre tinha uma solução pronta a cada problema surgido). Hoje nossa Bida está esguia. Deu seu barrigão de presente para mim.

 Aide Luna Parente



"É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo."



Postei abaixo, o que  recebi de meu irmão,José Aristênio, Aristênio, Tenoca, Dr. Luna, o Luna o Rangozinho,  que me conhece bem e é apaixonado pela  família. 
Como bom Landim Luna, "curte" a Natureza. Também não dispensa bons livros,boas músicas. Apaixonado  pelo belo, pelas artes, segue vivendo, e muito bem, em FLORIANÓPOLIS.


Como bom caririense, moooooooooooorre  de saudade do abraço madrugador da Chapada do Araripe, pintada pelo Criador de os mais variados e brilhantes verdes que existem no mundo; da água saborosa, límpida, gostosa das fontes de Barbalha e de Crato.

Sentimos muito a separação que a vida nos impôs. Mas, como filhos de Jesus e Iaci, damos uma prega no mapa e nos vemos no coração um dos outros e vice-versa. Hoje foi dia de festa, estivemos unidos no AMOR.

Maninha,

Primeiro meu beijo. Segundo: diga a Raquel que cada dia fico mais apaixonado por ela. O e-mail que ela me encaminhou é lindo.  Vi nas letras a felicidade da Raquel por ter você tão saudável e cheia de alegria. Comungo com ela! Terceiro: o Blog está cada vez retratando com realidade o que fomos e somos. Não o posso ler sem antes tomar um “calmador” ( dose de Whisky) pois fico emocionado e com freqüência choro. Sei que ele não foi feito pra isso; mas a idade esta me deixando muito sensível.

Quando me acordo  já não corro mais na rua Pinto Madeira. Quando me acordo  já não vejo minha mãe, meu pai, nós em volta da mesa grande de jantar onde ela cortava seus modelos de vestidos. Quando me acordo  já não sou o que ficou dezesseis dias no ônibus/caminhão entre Barbalha e Rio de Janeiro contemplando o novo mundo que se configurava nas paisagens da minha janela.  Quando me acordo  já não sou o estudante de engenharia, o engenheiro destemido, teimoso, sem  medo do mundo que então se apresentava. Quando me acordo  já não sou o poeta de poucas poesias. Quando me acordo  já não sou o atleta. Quando me acordo  já se passara 21 horas do meu dia tão pequeno de somente 24 horas. Quando me acorda  vejo todos os jardins com os mesmos perfumes e todas as pessoas, como filhos de Deus, iguais. Quando me acordo vejo vivendo uma vida mais racional o que, infelizmente,  leva-me a poucos risos. Quando me acordo, sempre quando acordo, sinto falta de todos vocês.

Aristênio

Em tempo:  Estamos com o Romulo Júnior em casa; tem sido uma coisa boa. Tira fotografia de tudo e fala pelos cotovelos. A Lúcia esta adorando!