domingo, 10 de fevereiro de 2013





   10. Segundo Time:
         Os cinco últimos filhos de Jesus e Iaci

...e a colcha de retalhos aquecia e escutava encantada, a conversa das irmãs.
                  
Depois que Arilo abriu a porta, chegaram as meninas: Ariane, Maria Aline, Margarida Aíla, Angela Marta. Arilo, um ente  as quatro , o "dirmano" paparicado tanto por elas, quanto pelos irmãos e irmãs do primeiro time.




Nossos pais planejaram que os filhos caminhariam em duplas: Aécio com Aide,  Aristênio com Aride; a dupla de Arilo, Ariane. A de Margaridinha, Martinha. E a de Maria Aline? Esta sem par fixo, par de todos.


Aristênio e Aline/ Crato
Uma menina doce e cheia de amigos e amigas.   Quando, após mamãe partir, eu em Barbalha todo o final de semana, meu colo era dela. Não por preferência minha, mas por imposição sua. Não permitia as outras irmãs gozarem daquele desajeitado colo.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      
Aide e Aécio/ 1944- Barbalha                          

Aride e Aristênio 1946/Barbalha

Arilo e Ariane/1954- Barbalha

Margaridina e Martinha/1962-Crato





                                                           









Algumas pessoas diziam não entender como eu, tão jovem, assumira a família. Para mim, entretanto, não foi novidade ou desassossego. Minha mãe me preparara a vida inteira para assumir aquele posto. Estudei em ótimos Colégios de religiosas. Em Crato, com as Filhas de Santa Tereza e em Barbalha,  com as Beneditinas. Sem me dar conta, havia em mim, em um lugar que não sei onde fica, uma chama acesa, uma certeza certa, uma paz tão grande, que cuidar de minha família, era para mim uma honra, não uma obrigação. Há certas certezas que trazemos em nós, que não se explicam.
                                  
Quando voltei de Barbalha à Crato de luto, com vestidos pretos de mangas compridas, como era costume na época, busquei a Deus. Eu sabia, por ter aprendido com as religiosas, que existe uma graça especial para cada estado de vida. Na situação esdruxula em que me encontrava, busquei  a mesma com toda minha alma. E quando, na segunda-feira, primeiro dia de aula após a partida de minha mãe, fui à Escola Técnica de Comércio, vi a Igreja de São Vicente, hoje Santuário Eucarístico Diocesano, toda iluminada  dando-me as boas vindas.
Igreja São Vicente Ferrer e Praça São Vicente, Crato-Ce.

Sem me explicar a Nadir, uma colega querida, não entrei na Escola. Meu coração ansiava conversar um pouco com Jesus Eucarístico, e pedir-Lhe a Graça tão almejada. Adentrei a Igreja sem nenhum receio de ser mal interpretada. Atravessei-a toda e, junto ao Sacrário, fiz a Jesus o meu pedido: concede-me Jesus, a graça reservada ao matrimônio. Sou mãe Jesus, sem dar á luz a nenhuma vida. Se Tu não ma deres, Senhor amado, como poderei ser mãe sem ter me casado ou com nenhum homem haver me relacionado? Permaneci ali por alguns momentos, e soube com uma certeza imensa, que Sábio, Bom, Alegre, Feliz e Muito Contente,  concedera-me a Graça suplicada.                
               
 Assim, para vocês do segundo time, irmão e irmãs queridas, acabem de uma vez com essa bobagem de achar que eu fiz algo de extraordinário. Nada fiz, prado verde amado. Não era eu que de vocês cuidava. Era a Graça de Deus em mim derramada naquela noite quando a  pedi junto ao Sacrário.

Não os vejo religiosos. A culpa é minha que não fiz com vocês o que minha mãe fez comigo. Ela me conduzia, constantemente, a missas, adorações, a novenas, e assim facilitava meu encontro com Deus.

Lembro-me saudosa do dia em que mamãe me presenteou com um missal de folhas de seda, quase transparentes, e bordas de ouro. Um primor de livro. Ao mo entregar disse-me ela: “filha, é para que fiques sabendo o que se passa no altar durante a celebração da missa. Eu te vejo tão atenta e nem sabes direito o que acontece por lá”. Ao sentir com as mãos a suavidade das folhas, pensei: será que minha mãe lê meus pensamentos? Como adivinhara que eu me recusava a rezar o terço durante a missa, como o fazia a maioria das pessoas? Eu intuíra que no altar algo de grandioso acontecia. Com o missal, que gostosura! Eu rezava com o sacerdote todas as orações da missa, meditava todas as leituras. Que Deus a tenha minha mãe! Se durante sua vida inteira pensa que nada fez de certo, fique certa, minha mãe querida, que ao me presentear com o missal, salvou a minha vida.

Em cada página, o missal em duas colunas, trazia em latim e em português as celebrações litúrgicas inteiras. Encantei-me com aquele presente. Desde então, quando participo das missas, busco um lugar nos bancos da frente , próximo ao altar, para acompanhar os gestos, sinais preciosos de que Jesus através das mãos sacerdotais, vem realmente atualizar o que  nos deu na CRUZ :  SUA VIDA.

De minhas irmãs, Ariane, que nasceu pequenina, entre Arilo e Maria Aline, espremida, requereu atenção mais minuciosa. Mãe Neném achava que aquela menina não “vingaria”, lembrava-se de sua perdida Lindalva. Propôs a meus pais que permitissem levá-la para sua casa, em Juazeiro. Argumentava, meio apavorada que, mais perto do Padre Climério, ela teria chance maior de sobrevivência. Papai não concordou. Mamãe também não queria. Entretanto, à proporção que os dias passavam, a menina ficava mais miúda.

Alarmado, papai fez com vovó um trato: “Ariane ficará em sua casa alguns meses e até um ano, se preciso for. Mais do que isso, nem pensar, dona Nenem”.

Vovó levou nossa irmã para sua casa e a tratou fidalgamente. Ariane, entretanto, continuava mirrada, sossegada, e pequenina.

Papai foi busca-la em Juazeiro e a encontrou de cama. Uma gripe forte a acometera. Voltou sozinho para nossa casa. Mamãe desassossegada, desencantada, sentindo-se culpada pela saúde frágil da sua menina. Durante sua gestação, com enjoos, quase não se alimentara.

Vovó veio com nossa irmã à Barbalha. Alegria em toda a família. Entretanto, naquele fim de semana, mamãe percebeu que aquela filha querida precisava de cuidados especiais. Nova negociação se fazia necessário. Da mesma, não participou. Papai, muito sentido com a ausência de sua filha, à bendita sogra entregou-a dizendo: “sua casa, minha sogra, é a casa de saúde de minha filha. Tão logo sare, retornará para sua verdadeira casa, para sua família. Nunca demos filhos nossos para ninguém cuidar mas esta sua neta, dona Neném, é pequenina, frágil, necessita de uma mãe a mais, neste momento".

Vovó, toda contente, levou Ariane consigo. Aquele   "projeto de gente” povoava sua solitária vida.

Depois, chegaram as irmãs menores, Margarida Aíla e Ângela Marta, Margaridinha e Martinha, as pequeninas filhas de dona Iaci companheiras de Maria Aline, Lina. Todas as manhãs, bem cedinho, às seis horas,  mamãe vestia as três com seus pijaminhas de flanela colorida e as carregava para a missa.

Ariane continuava com mãe Neném. “Um absurdo”, resmungava seu Jesus, irritado, chateado. Olhava a esposa e consternado, constatava que com a saúde fragilizada, não podia cuidar daquela amada filha que a sogra, mui contente, levara para passar “alguns meses  tratando-se com a hemeopatia do Padre Clímério que, sem surtir efeito, substituída fora pela alopatia do doutor Mozart Cardoso de Alencar”.

Enquanto era alvo de disputas, Ariane, muito sábia, vivia sua vidinha amada pela avó, paparicada por titia, fazendo de suas filhas, suas irmãs.

Nova gravidez, anunciada. Como fazer agora, minha gente? Trazer Ariane de volta, é urgente. Se não corrermos, sem ela ficaremos. Vovó veio novamente nos visitar trazendo nossa irmã. Arilo nem acreditava que seu querido par chegara. Na falta insubstituível dela, ele se “ajeitara” estreitando os laços com os primos de sua mesma idade: comadre Anginha,                  ( Ângela Maria, a caçula  de tia Silvinha) compadre Rurru, (Jesus, o caçula de tia Rosinha). 

Com Ariane naqueles dias perto dele, em sua companhia, aproveitou ao máximo a irmã, seu par, na caminhada pela vida, pensava ele.

Mamãe, que não suportava comida, cheiros, tudo enjoava, fazia-se de forte. Finalmente, pensava agradecida, a filha voltaria a seu lugar. Ao aconchego dos irmãos, aos braços dos pais. Mais uma vez, parece sina, aquele imenso desejo não se concretizou. Como trazê-la naquele instante? Um outro filho vinha a caminho. E os enjoos a perseguiam.

Sem querer imiscuir-se, e já se metendo, mãe Neném, calma mas forte, se impôs: “Jesus, não percebes que Ariane , eu a criei diferente. Cuido dela para ti, eu ta devolvo." “Devolve-me? Que devolver é esse a que a senhora se refere? Devolve-se aquilo que se tomou emprestado. Cuidado, minha sogra, estou ficando cismado.” “Olha homem, reflete. Tua filha, minha neta querida, para nós nunca será barreira, montanha a nos dividir. Proponho, novamente, que por mais uma temporada, ela fique comigo. Sua saúde, pensa homem, vem em primeiro lugar.” Esperta, nossa avó conseguira o que queria : ter aquele pingo de gente, consigo.

Mamãe, sempre que engravidava, passava muito mal. Lembro-me dela com enormes crises de enjoos que se iniciavam pela madrugada. Nenhum cheiro, antes gostoso, suportava. Como resultado, suas forças esvaiam-se. Eu, por mais que procurasse, não entendia o porquê de papai querer tantos filhos, mesmo pondo a vida de minha mãe em risco.

Naquela madrugada terrível, com o último dos filhos que trazia no seio sofrido, partiu para eternidade levando-o  consigo. O décimo filho.

Desolados ficamos. Agora como tirar Ariane da vovó. Ela perdera mais do que uma filha. Fora-se a amiga, a confidente, a mulher forte que a compreendia e a sustentava em seus momentos de fraqueza.

Papai me chamou e ordenou: "vá à Juazeiro e traga Ariane. Que coisa é essa de não a termos conosco neste momento! Falta-nos sua companhia. Foi-se tua mãe. Quero minha filha, a outra, aquela pequenina e franzina que tua avó levou".

Escutei-o atenta e calmamente. Nada  respondi. Precisava de tempo para resolver aquela “parada”.

Em Juazeiro, expus a titia a situação que se criara em nossa casa com a ausência de mamãe. Todas as noites, meu pai ordenava a um dos filhos  que pusesse a tocar em nossa vitrola, o choroso canto de um cantor que, ao invés de acalmá-lo, exacerbava sua dor:

 O sol que outrora brilhou em minha vida,/  Perdeu a luz, mudou de cor, não brilha mais ...                                                                               

Aquela música incomodava os filhos. Meu pai, imerso em sua dor, tiranizava os do segundo time, fazendo-os repetir o disco vezes sem conta, até que, ajudado pelo álcool, após “urrar” de dor em nosso quintal implorando a Deus que lhe permitisse, apenas por um segundo, encontrar-se com a mulher amada que, impensada e impulsivamente traíra com sua secretária, uma moça sem graça, sem cultura, sem atrativos, mas sabida na arte da sedução.

Deus nunca o atendeu. Jesus Luna até o último dia de sua vida, chorou, lamentou a falta da única mulher que soube inundar sua vida de cores, de sabores, de cheiros  de amores...

Jesus Luna, cujos negócios negligenciara quando da "questão" com o senhor Pedro Sampaio relativa às terras de nossa propriedade na Capada do Araripe, O Caju,  ficou totalmente sem rumo com a morte da esposa. Aos poucos e continuadamente perdeu todo seu patrimônio, inclusive sua casa de morada. Só encontrava consolo quando embriagado pelo álcool. Entretanto, mesmo naquela situação, era respeitado por todos  e cuidado  por nós, seus filhos e filhas e continuava sabendo fazer, e guardar boas amizades.

No domingo de carnaval de 1960, Aécio e seus amigos do DENOCS, providenciaram nossa mudança para o Crato. Mudança sofrida mas necessária. Tanto papai quanto eu, já contávamos com empregos  naquela acolhedora cidade.


Tio Antônio Mariano, mais uma vez viera em socorro a Jesus Luna convidando-o a trabalhar consigo em sua sapataria, em Crato. 

Madre Carmelina Feitosa ao saber por Helena Mariano, nossa prima, que estávamos de mudança para o Crato, enviou-me uma carta convidando-me a lecionar no Colégio Santa Teresa e solicitando minha presença para que acertássemos horário e salário.

Tão logo recebi a feliz e inesperada carta, corri ao encontro da  Madre. Fui contratada para ministrar aulas de inglês no aludido colégio. Ao me dar o abraço de boas vindas, a religiosa indagou-me em que rua residiríamos. Ao saber que ainda não dispúnhamos de moradia, riu alegre e informou-me que uma casa da Diocese, situada à Vila Jubilar, estava desocupada. "Ela estava esperando por vocês, minha filha. Vamos logo acertar o aluguel que, por sinal, é simbólico porque é um projeto de Dom Francisco, e pegar a chave da mesma". Assim, sem stress, ficamos arrimados. 

                            Vila Jubilar, entre nossa  casa e a da Maroli .                
Os Landim Luna: Jesus Luna e os nove filhos:
A partir da esquerda: Marta, Aécio Jesus, Arilo, Ariane, Aline Margarida, Aide e Aristênio
          
                                                        
Famílias Landim Luna e Landim Leite
Agachados: Danilo, Marta, Rômulo Junior,J. Marcones,Lellis,no colo de Eliane.
Em pé: Jesus, Alira, Aécio com Cassio, Aride, tia Nair Ronaldo e Aristênio.
Atrás :Elcídia, Edênia Aide com T. Denise,Vicente e Rômulo Correia.
Chico Parente acima, mais próximo à romãzeira de seu Jesus.





Nossa Casa. Vila Jubilar 69, Crato/ Ceará
Famílias: Landim Luna e Landim Leite
Da esquerda para a direita:
Agachados: Danilo,Marta,Ariane,Romim(sentado) Deda, Lellis no colo da Eliane
De pé: Jesus Luna, Alira com Cassio, Aécio, Aride, tia Nair,Vicente,Margarida, Aline e Ronaldo.
Atrás: Edênia (depois de Aécio) Elcídia, Aíde com T. Denise, Arilo,Chico Parente e Rômulo.




                                                            
Nossa casa em Crato, Ceará.
A partir da esquerda: Danilo, Eliane Edênia, tia Nair,J.Marcones e Vicente.
                                              
                                                          
Outras alegres surpresas me aguardavam: o senhor Pedro Felício Cavalcante, diretor da Escola Técnica de Comércio, enviou-me convite para lecionar em sua escola e o IBEU me contratou para trabalhar com crianças.

Adaptamo- nos muito bem à nova vida. Nossos vizinhos nos acolheram, nos adotaram , formávamos uma só família. Como em Barbalha, papai continuou passeando com os do segundo time, aos domingos. O rio das piabas, a chácara de tio Antônio Mariano, o Lameiro, a cachoeira, a caixa d'agua, o Parque Granjeiro, seus lugares preferidos. Também conseguiu terreno para plantar "suas roças" de milho e feijão.



Papai e o segundo time:
Margarida, Ariane, Jesus Luna, Arilo, Aline e Ângela Marta.
                                                          
Nas noites de São João, aniversário de Arilo, seu Jesus passeava pelos arredores a "prosear" com as famílias que costumavam festejar o santo com fogueiras. Esperava paciente que "arrumassem" a madeira destinada a queimar nas benditas fogueiras, avaliava-lhes o tamanho e, só então, como em Barbalha,  avisava à pessoa previamente contratada, que trouxesse o número de cargas de lenha para que a nossa fogueira continuasse  sendo  a maior "do pedaço". Ria feliz. Quando a acendia, voltava as casas antes "vigiadas" e com aquele risinho só seu, convidava as pessoas para "apreciarem" uma verdadeira fogueira de São João. Nossa casa se tornava pequena para tantos convidados.
                              Casa de seu Jesus Luna em Crato- Vila Jubilar, 69

Da esquerda para a direita:
Crianças sentadas no chão:  Lellis, Carla. Romim (rindo)
Nair Landim, Aride com Iaci no colo, Ariane,Margarida,Ronaldo, Alira, Aécio, Chico Parente com T. Denise no colo, Aide.
Atrás: Aline, Edênia e Margarida.


Em Juazeiro, comprava "rosários de catolé", chupeta de açucar, "nego bom"(um doce escuro feito com caju) "colchão de noiva"( quadradinhos de um doce recheado com coco), pipoca, chilitos e muitas coisas mais e as distribuía com as crianças das vizinhanças. Estas lhes perguntavam:

-  E o Cassimiro Coco?
-  Esperem um pouco. Deixem minha neta chegar. ( referido-se à Clarissa)..
- Demora muito. Vamos ver os bonecos sem ela.
- Vou ver se o "bonequeiro" pode vir no sábado. Avisarei a vocês.
E lá estava o teatro mamulengo divertindo os moradores da Vila.
                                      
                  
Não tivemos tempo de sentir  falta do sax do Mestre Chico. Hugo Linard e sua afinadíssima sanfona o substituiu. Assim os Landim Luna continuaram embalados por boa música, todas as noites. 

Para mim, foi uma surpresa triste, quando recebi de meu pai a informação de que sua partida  aproximava-se. Uma contida alegria o tomava por inteiro. Fez-me prometer duas coisas: avisar ao  Mestre Azul, o saxofonista, que partira, e vesti-lo com o terno azul marinho, de um tecido parecido com tropical Inglês.
Ordenou-me ainda que não me esquecesse da camisa de cambraia branca e do lencinho, também branco, no bolso de cima de seu paletó. Quanto à gravata, “escolha uma bem bonita”, acrescentou.

Não chamei o Mestre. O exímio saxofonista tão logo soube da notícia  que seu Jesus, aquele “cara especial”, como o chamavam seus amigos, partira desta vida,  chegou a minha casa com o saxofone debaixo do braço.

- Dona Aide, tenho uma dívida a saldar com seu pai. Não sei se a senhora sabe.

- Sei sim, mestre. Ele me avisou. Quanto pagarei por seu trabalho, meu amigo?

- Ora, dona Aíde,  há mais de cinco anos ele me contratou, e me pagou adiantado.

Ao me comunicar com padre Agostinho, informando-o da morte do amigo, lamentando,  disse-me: “perdi, não, nós barbalhenses perdemos a pessoa mais amiga, mais presente em nossas vidas. A pessoa que sabia transformar amarguras, tragédias em piadas, em alergia. Seu pai foi um grande amigo. O lugar para ser velado é aqui em Barbalha. Muita gente o fez sofrer. Eu o esperarei e a sua família, em nossa Igreja Matriz.”

- Na matriz, padre? O senhor tem certeza? Há uma ordem de vigário de os corpos serem velados na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

- Seu pai, minha filha, foi injustiçado. Sofreu calado. É um filho ilustre de Barbalha. É aqui, junto a seu Padroeiro que seu corpo ficará. Com relação à sua alma, não duvide. A quem muito amou, muito é perdoado.

- Sabe, meu padre, ele contratou um mestre saxofonista para acompanhá-lo á sua última morada.

- Eu sei. Ele me participou. Ele quer que essa música, e somente ela, a valsa Branca o acompanhe. Ele  disse-lhe o porquê?

- Não disse mais eu sei o porquê, padre. Esta valsa é um código musical. Foi ao som dela que ele e minha mãe se reencontraram após quase desfeito seu noivado e casamento. Penso, padre, que ele crê de todo o coração, que a bendita valsa o levará a minha mãe e nada mais os separará. Não é meio pagão essa sua certeza?

- Não, minha filha. É tão bonita a fé que ele tem no perdão de tua mãe, é tão forte o que viveram com essa valsa, que Deus compreende e se encanta. Lembra-te: o amor é mais forte do que a morte.

E foi como ele planejara. O saxofonista exprimia, porque conhecia a história, o amor que uniu meus pais através daquele código musical, a valsa Branca que guardaram ciumentamente no coração. Não conheci a letra que nossos pais puseram na música. Fiquemos com a de Abramonte, reproduzida no final do texto.

Outra música falava-lhes ao coração, Sertaneja. Mamãe a cantarolava quando feliz. Entretanto, não gostava de  ouvi-la cantada por nenhum cantor ou cantora. Um dia, estando eu próxima dela, sentada numa cadeira bem em frente a sua máquina de costura, pelo rádio, ouvimos a citada música. Seus olhos  estreitaram-se, lacrimejaram. Soluçante, ordenou-me que desligasse o rádio.
Posteriormente, quando em companhia de papai, perguntei-lhe o porquê daquela tão grande emoção de minha mãe. Ele silenciou. Depois disse-me que a mesma fazia parte de suas vidas e que eu não lhe perguntasse mais nada.

Quanto a Ariane, papai encarregou-me de pegá-la na casa da vovó, e a trazê-la para nossa casa, para sua família. Conversei com titia e com Crica  (Vicente). Os dois aconselharam-me a não cometer tal violência com a vovó. Ela perdera a filha mais amada, aquela que a compreendia e facilitava sua vida. Foi duro, muito duro para mim. Uma situação difícil. Papai querendo-a de volta, ao lugar que a ela pertencia, em nossa casa, conosco. Vovó chorosa, fragilizada. O que fazer?“ Vinde em meu socorro, ó Mãe Carinhosa!”.

Eu temia  que minha irmã, por desconhecer fatos se nossa vida familiar, posteriormente, acusasse nossos pais dizendo-se rejeitada por eles. Tal não aconteceu. A MAGRELINHA, surpreendeu a todos nós. Seu corpo franzino abrigava uma mulher guerreira, forte, decidida. Após o primeiro ano do curso de Ciências Biológicas, na Faculdade de Filosofia de Crato, instigada pelo professor e diretor da referida Faculdade, Dr. José Newlton Alves de Sousa, partiu para o Rio de Janeiro.

Com sua inteligência privilegiada, aliada a vontade firme, nunca buscou o caminho mais fácil. Calma, prudente, mas firmemente, foi à luta. Formou-se em Botânica pela Universidade Federal Rural do   Rio de Janeiro.

Orgulho-me dela. Rio-me, encantada, porque entre as cariocas, a nordestina simples se destacou. Segundo nosso saudoso irmão, Aécio, em sua cabeça “moram as folhas de todas as plantas do mundo.”

Hoje é avó, tão, ou mais “coruja” do que eu. Sabe falar a língua das crianças, dos jovens, dos adultos, dos idosos... É mestra na arte de ouvir, coisa rara nos dias de hoje. Mansa e firmemente, está “de olho” na família. Não altera a voz, não clama, não grita, mas com um jeitinho todo dela, nos traz cuidados.   

Admiro-a muito. Nela vejo a mansidão de meu pai nos anos risonhos de sua vida. Mansidão que convence e que une e a torna especial. É Pós- Doutorada.

Em uma de minhas viagens, tive a honra, a grata surpresa de ver diretores, reitores, professores de renome, receberem-na de pé aplaudindo-a. Ela, com a simplicidade que a caracteriza,  atravessou o auditório repleto e pronunciou algumas sábias  palavras.

A filha do nordeste, na cidade do Padre Cícero, aprendera com seu fundador, com a exímia educadora, Amália  Xavier e, sobretudo, com a avó que a criou, a nunca se vangloriar. A ser tão somente a professora competente e amiga que se enche de  jubilosa alegria ao ver os alunos crescerem, desabrocharem, entenderem que em cada um deles há uma fonte viva, que jorra, que alimenta. Uma fonte que, depois de descoberta, os dessedentará por toda vida.




      Vila Jubilar, 69, Crato- Cerá.
Na frente> Margaridinha, Jesus Luna, Martinha e Aide.
Atrás> Ariane, Eliane e Maria Aline.





   BRANCA
           Valsa, música de Zequinha de Abreu e letra de Duque de Abramonte.


Há tempos que a vi/ Que a conheci
Ela era linda, um primor, de amor.
Mista de estrela e de flor,
Mas também sofreu. / Eu sei vou contar
Pois li naquele olhar/ Cansado de chorar.
De tarde, ao chegar/ Os trens um a um,
Ela viu descambar/ Um estranho tentador.
Vi Branca cismar/ Num sono de amor
Ficou logo apaixonada/ Do mancebo tentador.
Mas esta flor/ Não sentiu florir o amor
Nunca sentiu florir/ Porque ele teve que partir.
Vi-o embarcar/ Como um dia após o amor,
Do jovem tentador.


  SERTANEJA
Sertaneja se eu pudess
Se Papai do Céu me desse
O espaço pra voar
Eu corria a natureza
Acabava com a tristeza
Só pra não te ver chorar.

Na ilusão deste poema
Eu roubava um diadema
Lá no céu pra te ofertar
E onde a fonte rumoreja 
Eu erguia tua igreja
Dentro dela teu altar.

Sertaneja,
Porque choras quando eu canto ?
Sertaneja,
Se este canto é todo teu
Sertaneja
Pra secar os teus olhinhos
Vá ouvir os passarinhos
Que cantam mais do que eu.

A tristeza do teu pranto
É mais triste quando eu canto
A canção que te escrevi 
E os teus olhos neste instante 
Brilham mais que a mais brilhante
Das estrelas que eu já vi.

 Sertaneja, vou embora.
A tristeza vem agora
A alegria vem depois.
Vou subir por essas serras
Um ranchinho pra dos dois
                           



          

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