domingo, 10 de fevereiro de 2013



       19. Internato. Curso Ginasial. Professora


  A, ide. E os 'A' Landim Luna, pelo Espírito Santo, seguiram SUA ordem.



De meus pais, na segunda quinzena de setembro, o comunicado me chegou diretamente: “em Crato, o internato do Colégio Santa Teresa te espera no início de outubro. Conversamos com Madre Teresa Machado, nossa prima e Superiora da Congregação das Filhas de Santa Teresa. É necessário que partas imediatamente porque a madre crê que teu Grupo Escolar muito deixa a desejar em se tratando de preparar alunos para enfrentarem o exame de admissão ao ginásio. Participarás de aulas complementares para te atualizares. Que tens tu a nos dizer sobre isto que te avisamos?

De pé, olhando por sobre a cabeça dos dois, meu olhar vagueava. Irreal, a cena me parecia.   Ouvia meus irmãos em seu quarto conversando, rindo, e eu ali esvaziada, desarrimada, perplexa.

“Esta menina, me parece, Jesus, não entendeu a boa nova a ela anunciada”,  falou minha mãe.  E interrogou-me assim: “ a nós, o que tens a dizer? Ficaste contente? Teus amados estudos, continuidade terão. Então nos diz de uma vez, por que calas em tão importante ocasião”?

Meu pai olhando-me bem, da cadeira onde se sentara levantou-se, deu meia volta, e para seu trabalho  retirou-se.

Indignada, assombrada, sem querer perder a compostura, minha mãe uma toalha pegou. Em direção ao banheiro rumou. Sempre agia assim, quando perturbada.

Como meu pai, também “dei meia volta” e saí de casa. Sufocada, aflita, qual alma penada, vaguei pelas ruas de minha Barbalha. À sombra da Igreja do Rosário sentei-me, olhos fixos no Martiniano de Alencar.



Grupo Escolar Martiniano de Alencar à esquerda da Igreja do Rosário.


A cabeça teimava em não funcionar. Suspiros profundos. Cansaço, dores, desalento, desencanto. Secura imensa. Depois... cascata bendita! Cascata salgada a escorrer por meu rosto de menina de quase doze anos. Água a irrigar o inquieto coração e a refrescar e ordenar pensamentos meus.

Olhar fixo novamente em minha escola, os prejuízos daquela intempestiva decisão de meus pais, calculei: o diploma de conclusão de curso, não receberia; incompreensão, estranheza, não aceitação de minha ausência na festa de conclusão do Curso Primário, dos colegas me viriam; mágoas da competente e  amiga mestra, dona Ozenir Correia que tão bem me preparara para o aludido exame, tida como incompetente pela Madre Superiora. Grande saldo negativo, obtive daquele balanço realizado.

Fazer, o quê? Não fora consultada por meus pais. Os mesmos nunca se deram conta do meu amor pelo Grupo Escolar Martiniano de Alencar, onde há quase cinco anos, estudava. Da admiração, carinho e gratidão pela sábia e amiga mestra, dona Ozenir Correia, nada sabiam. Se a par desses meus sentimentos não estavam, jamais poderiam calcular a importância que a festa de conclusão de curso, o recebimento do diploma, a participação nos festejos bem preparados , decantados em prosa e versos por nós, formandos daquele ano. E o “buraco vazio” no lindo quadro de madeira trabalhado na forma por nós desenhado, (Ano 1949, Concludentes do Curso Primário) substituindo minha fotografia, gritando por toda eternidade que eu abandonara o curso sem concluí-lo? O quê fazer? Se eu, de fato, queria os estudos prosseguir, olhar para frente, sempre para a frente, necessário se fazia.

Pela negrura da noite envolvida, a nossa casa regressei. Não entendiam meus pais a razão de tanta dor, de tanta mágoa em meu rosto espelhadas. Ainda, pelo negro manto envolvida, deitei-me e dormi profundamente.

Como diariamente o fazia, fui ao Grupo Escolar. A novidade relatei sem rodeios. Tal qual imaginara, as reações se deram. Mesmo já tendo obtido notas que excediam á media para obtenção do diploma, não o receberia. Aconselhada fui a não mais prolongar os dissabores, a não comparecer à minha classe querida. Sentindo minha aflição, dona Ozenir, com meus pais dialogou. Informou-lhes que em qualquer parte do Brasil, com certeza, eu seria aprovada no exame de admissão ao ginásio. Respeitosos, gratos, mas com as palavras da Madre Prioresa no coração, ratificaram sua decisão: no internato eu estaria logo que outubro chegasse.

Um belíssimo enxoval mamãe me preparara. Não me dera conta do mesmo porque suas bordadeiras dele cuidaram. Muito “caprichosa” dona Iaci imaginou para a filha peças que sua máquina  não tocariam:
em ponto ajour  costuradas e em coloridos desenhos em ponto de cruz, ponto cheio, ponto sombra e outros pontos mais, adornadas. Das calcinhas aos sacos para roupas servidas, os mais belos bordados. Ao fazer-me a mala ela mo apresentou.
Boquiaberta fiquei com as maravilhosas peças. Parecia-me enxoval de princesa. Prática, para que a filha  não sofresse antes do tempo, dona Iaci arquitetara o plano cujo resultado eu tocava naquele instante.  Só então cortou e costurou os uniformes escolares que eu usaria no Colégio Santa Teresa de Jesus.


      Colégio Santa Teresa de Jesus, Crato-Ceará. Meados do século XX



Já no internato, as “indispensáveis” aulas complementares nada me revelaram de novo. Meu Grupo Escolar, como previra, estava á frente de decantados colégios e demais escolas particulares. Então, para não ficar à toa, recorri à biblioteca. Li tudo o que de bom encontrei. Mergulhada na leitura, o tempo voou tornando-se prazeroso

Menina franzina e de quase doze anos, com tempo a minha disposição, busquei conhecer melhor “minha nova casa”. Constatei feliz, quão bem cuidada era: os móveis lustrosos cheirando a óleo peroba, pisos de mosaico  com  diferentes desenhos, os pátios de recreio em lages ( pedra de Santana) lavados diariamente, banheiros sempre limpos. Tudo muito bem organizado. Os espaços pareceram-me imensos, diferentes daqueles do meu Grupo Escolar. Amei a escada de madeira que nos levava aos dormitórios. Lembrava-me a escada da sapataria de meu pai, a mim proibida. Talvez por isso, sempre que a usava nas subidas ou decidas, pisava com muita força fazendo barulho, esperando que meu pai, em Barbalha, ouvisse meu “sapateado”.  Com relação aos dormitórios, esses me arrepiavam, me causavam pânico. As camas em ferro pintadas de branco, em duas filas arrumadas, cobertas por colchas também brancas, lembravam-me  hospitais. Se dormia pouco pelo medo sentido, ao saber através de uma colega externa, amiga minha, que “Chapelão”, o ladrão, o bandido mais procurado da cidade, jurara que as internas do Santa Teresa, visitaria muito em breve, totalmente insone fiquei. A freira guardiã que dormia numa espécie de cabana de tecido armada em um dos cantos de nosso dormitório, percebendo meu desassossego e enormes olheiras, “entregou-me” à mestra de disciplina. Esta, no refeitório, exortou as internas no sentido de manterem conversas entre si, de não darem ouvidos as fofocas das alunas externas. A aluna interna que fosse pega em demoradas conversas bobas com as externas, á Madre Superiora, visitaria, acrescentou.

Embora me parecesse impossível, adaptei-me muito bem bem à rotina estabelecida para as internas: acordar com os pássaros, fazer nossas toaletes usando água gelada de torneiras enfileiradas, fixadas em parede azulejada e aparada por tanques rasos, compridos, onde espumas de diferentes tipos de dentifrícios e sabonetes se misturavam ;  participar  da missa matinal na linda capela do Colégio celebrada as seis horas; guardar silêncio desde o despertar até que no refeitório, após o café da manhã, a mestra de disciplina, irmã Gondim, ao som de uma pequena sineta,  avisava que dispúnhamos de poucos minutos para nossas primeiras conversas.  Ao primeiro, o segundo toque logo ocorria alertando-nos que  pouquíssimos minutos nos restavam.  Às pressas, e em silêncio, nosso material escolar devíamos pegar e a passos largos,  as nossas salas de aula rumar.

Apaixonei-me pela Capela do Colégio. Seu altar em madeira de lei belamente esculpido, as lindas imagens italianas de Nossa Senhora do Carmo, Santa Teresa d'Ávila e de São José, o grande e belo confessionário e o púlpito, ambos da mesma madeira do altar e também com desenhos ornados, o piso, a simplicidade do Sacrário onde Jesus, sempre solícito, nos esperava o dia inteiro. O silêncio, a missa bem celebrada acrescida do suave canto das Filhas de Santa Teresa, das quais um cheiro bom de santidade exalava,  mandavam para longe de mim o cansaço, a saudade, as noites mal-dormidas e tudo que me atrapalhasse. Um perfeito começo para o dia de trabalho que me aguardava. 


Altar e púlpito da Capela do Colégio Santa Teresa de Jesus, Crato-Ce.
Capela do Colégio Santa Teresa de Jesus, século XXI
A pracinha São Geraldo com suas grandes Limeiras da Pérsia de belos frutos e flores perfumadas, nosso caminho para a Capela, tornou-se meu segundo lugar preferido no Colégio. Esgueirava-me sorrateiramente e, quase todo dia,  sentava-me no chão à sombra das árvores amigas  e desligava-me do mundo mergulhada nos livros. Como o acesso à clausura ficasse do lado oposto ao da capela, a referida pracinha era vetada a alunas e demais pessoas. Creio que por  ser tão miúda e quieta, as Filhas de Santa Teresa faziam  de  conta que não me viam. Assim eu desfrutava daquele lugar paradisíaco.
 
A comida bem preparada, às internas oferecida, eu não conseguia engolir. Náuseas me causavam o cheiro que o tempero forte da mesma, exalava. Do refeitório fugia todo santo dia. Atenta, Irmã Gondim  me “caçava”. Eu junto à Costinha, a freira encarregada da rouparia,  me escondia. Também não conseguia beber o café com leite por causa das muitas natas que o acompanhavam. Tentei, mais de uma vez, engoli-lo rapidamente, numa dessas, tive que limpar o chão vomitado. Solicitei que me permitissem usar um coador. Permissão vetada, passei a beber café com pão e muita manteiga, o que não foi aprovado pela mestra de disciplina.

Uma intimação chegou-me as mãos: Madre Teresa, da Congregação a Superiora, chamava-me à sua sala. Na mesma me esperava as quinze horas.  Amedrontada, trêmula, lá cheguei na hora aprazada. Baixinha, risonha, com um abraço me acolheu. Depois, falando baixo, quase sussurrando,  interrogou-me acerca de minha rejeição à comida e ao café com leite. Aliviada pelo tom de sua voz, derramei no seu, meu coração. Expliquei-lhe nada haver de errado com a alimentação tão elegantemente a nós servida. Em mim é que havia limitações com relação à comida muito condimentada, a natas e outras coisas mais. Entretanto, com o correr dos dias, esperava, confiante, comer e beber de tudo o que me pusessem à frente. Madre Teresa ouviu silenciosa e atentamente meu tagarelar. Sorriu mansamente, olhou fixamente para meus olhos como se me avaliasse e nada comentou. Percebi que a"audiência" terminara. Antes de pedir licença para levantar-me da cadeira onde me sentara, a pergunta que me engasgava, saiu de minha boca:

- Desculpe-me, Madre Teresa, eu pensei que a senhora por ser a Superiora da Congregação, estria sempre muito ocupada  não dispondo de tempo para as alunas do colégio. Fiquei espantada ao perceber que a senhora sabe tudo o que acontece conosco, preocupa-se com nossa alimentação e até gasta seu tempo conversando com meninas como eu. As irmãzinhas falam da senhora com tanta reverência que pensei um bocado de bobagens sobre a senhora.

- Que bobagens são essas, filha minha?

- Ah! Eu via a senhora como uma  rainha com muitas  vassalas a lhe servir. Pensei também que a senhora fosse muito dura e exigente. Pensei que nunca em minha vida conversaria com a senhora.

Rindo alto, a boa Madre abriu seus braços. Entendi aquele gesto como o pedido de um abraço. Levantei-me da cadeira onde estava e ajoelhei-me junto dela que me recebeu permitindo que repousasse minha cabeça em seus joelhos. Para mim ela representava a Mãe do Céu, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro a acolher-me.

- Estás mais tranquila agora? 

- Estou sim, Madre. Agora até entendi porque minha madrinha Santa Teresinha do Menino Jesus lutou tanto para ser freira e só sossegou quando entrou para o Carmelo.

- Tens uma madrinha muito especial. Sabias disso?

- Ora se, Madre. Somos muito amigas.





Aquela conversa, que de início tanto me envergonhara, trouxe-me ganhos: diariamente, próximo à sala da Madre Superiora, numa mesinha, uma das moças copeiras me servia da mesma comida do senhor Bispo Diocesano, Dom Francisco de Assis Pires. Risonha, indagava-me várias vezes se eu era, de verdade, prima da Madre Superiora e se também era verdade eu não poder comer coisas com muito tempero e gordura. 

O Palácio Episcopal onde Dom Francisco, nosso Bispo Diocesano, residia fica bem em frente à capela do Colégio. Gostava de vê-lo à tardinha lendo seu breviário caminhando na calçada da rua de sua "casa". Amava sua simplicidade, admirava-me do modo como nos recebia quando de nossas visitas para pedir sua benção. Já com a idade avançada e com restrições alimentares as Filhas de Santa Teresa cuidavam de sua alimentação. Eu, menininha frágil de Barbalha, tive o privilégio de comer de sua comida. Uma honra da qual nunca pude nem quis esquecer. Um gesto gentil de uma Filha de Santa Teresa que, como a mãe , sabia ser simples, ousada e ter fé em Deus e nas pessoas, principalmente naquelas desarrimadas como eu naquele período de minha vida.
                                                  

                                  Dom Francisco de Assis Pires, Palácio Episcopal.
                                           Escudo do Crato e Escudo da Diocese. 
Aécio deu-se conta que eu o ultrapassara. Eu em Crato estudava, acalentado sonho dos caririenses de nossa época, enquanto ele em Barbalha permanecia “marcando passo”.


                                                          

“EU QUERO FAZER O EXAME DE ADMISSÃO AO GINÁSIO PARA INGRESSAR NO GINÁSIO DIOCESANO DE CRATO,” bem alto gritou. “Como?”, Papai perguntou. “Nunca dos estudos cuidaste, nunca te esforçaste. Agora vens com cobranças?

No imponente parlatório do Colégio Santa Teresa, mamãe que viera visitar-me,  a par me pôs da exigência de meu irmão. Aflita, indagou-me : “Será que ele, cursando o terceiro  ano primário, tem alguma chance de ser aprovado no exame?” “Tem sim, mamãe. Ele passará.  Aqui é diferente de Barbalha. Quem no Martiniano de Alencar estuda, pode do terceiro ano, estudando o livro indicado para o exame, passar para o Ginasial.” Mamãe,  um professor particular, contratou. Em menos de dois meses de contínuos estudos, meu irmão conseguiu "passar" , e muito bem, no exame a que se submeteu. Colegas, voltamos a ser. Ele no Colégio Diocesano, eu, no Santa Teresa.                                                           

Ginásio do Crato. Primeira metade do século XX.
                              
                                        Colégio Diocesano, século XXI
                                    
Colégio Santa Teresa de Jesus, século XXI

                                                      

                                Gruta N.S. de Lourdes, Colégio Santa Teresa                                                        
1950, ano repleto de significados : ano do nascimento de Maria Aline, a sétima Landim Luna, ano do Congresso Eucarístico de Barbalha, ano de muito estudo para nós, Aécio e eu, que desejávamos ardentemente honrar os  esforços de nossos pais. Ano de descobertas, de novas amizades. Ano em que os Colégios de Crato receberam muitos alunos. Ano de mais  de cem internas no Santa Teresa.

Quase quatro meses após o início do ano letivo, agradeci a Madre Teresa por seus cuidados  para comigo e, feliz, comuniquei-lhe que me acostumara com o odor da comida. Abraçando-me disse-me que avaliara-me bem e vira que, de aproveitadora, eu não sofria a doença.


O internato permitia que uma vez por mês, as alunas cujas cidades ficassem mais próximas de Crato, passassem o fim de semana com suas famílias. Aqueles fins de semana eram esperados por nós, internas, com um sentimento semelhante ao dos  Israelitas no cativeiro da Babilônia. E como eles "nossas bocas se enchiam de risos e de canções " ao avistarmos, do ônibus, nossa Barbalha," parecia que sonhávamos". E o mesmo sentimento  repetia-se mês após mês.


Vista panorâmica da cidade de Barbalha, séculoXXI
                                     
Nos demais fins de semana as Filhas de Santa Teresa que cuidavam de nossa educação, nos acompanhavam a passeios por  elas programados: ao Bairro do Seminário onde estava a Clausura das Noviças e como não poderia  ser diferente o próprio Seminário Diocesano de Crato. Caminhávamos em  fila e subíamos o "morro" pela ladeira do tamanqueiro. 
Ladeira do Tamanqueiro nos dias atuais
                                                                     
A erosão ainda não havia "engolido" a grande área de terra coberta de grama verde e um campo de futebol que ficava  em frente ao Seminário. Ali brincávamos inventando diferentes jogos. Manifestávamos nossa ânsia de liberdade, correndo desenfreadamente.
                                                                   
                                                        
Seminário São José  em Crato. Fundado em 1875.
 Primeiro Reitor: Padre Lourenço Vicente ENRILE
                                                                             
                                         Seminário São José Século XXI, Crato-Ce.
                                     
                                                        
           Vista interna da Capela São José no Seminário São José, Crato.                                                                     
As irmãzinhas nos deixavam "livres". Após a merenda, descíamos a mesma ladeira e alegres pela liberdade oferecida no dia de folga, após o banho e a oração na Capela, subíamos para nosso dormitório.

A Casa de Caridade de Crato e a Praça da Sé também faziam parte  dos   roteiros escolhidos para nossos passeios. 

Em 1950 o percurso do Colégio Santa Teresa à Casa de Caridade de Crato parecia longo pelo areal que os separava. Quase, nenhuma casa havia no percurso.
Casa de Caridade de Crato fundada em 1868 por 
Padre Ibiapina.

   Interior da Capela da Casa de Caridade de Crato.
Preservada pelo Colégio Pequeno Príncipe.

Impressionava-me o cuidado que as Filhas de Santa Teresa tinham por cada uma e por todas nós como se filhas suas fôssemos. Estavam sempre atentas . Os rapazes do Colégio Diocesano, espertos, davam um jeito de saber aonde nos levariam as freirinhas e apareciam como por encanto; o "calo" das freirinhas.                                                                                                   
                                                                                            
                                                                                             
Serenatas aconteciam quase que semanalmente. E as alunas "maiores", mesmo vigiadas pelas freiras, conseguiam abrir uma ou duas das "persianas" do dormitório para que os  rapazes tivessem certeza de que acolhiam a homenagem e esperavam que repetissem a"dose". 

Em 1951, em Barbalha, fundava-se o Curso Ginasial.  Onze promissores jovens barbalhenses aprovados no primeiro ano ginasial, cursados  em colégios de cidades diferentes,( José Edilmar Norões Coelho, Maria do Socorro Norões Coelho, Paulo Luna Machado, Carlos Aécio Landim Luna, Aide Landim Luna, Humberto Coelho, Teresinha Coelho, Aída Duarte Sampaio, Leda Cardoso, Laís Gondim Sampaio e Iraci Xavier )  reuniram-se e solicitaram ao padre Agostinho Mascarenhas que intercedesse no sentido de que não só o primeiro, mas também o segundo ano ginasial, fossem implantados em nossa terra.  Permissão consentida, a nossa Barbalha retornamos.  Na mesma sala de aula nos dois, eu e meu irmão, novamente, estudando, nos esforçando. Nossos professores, uma lenda: Dr. Marchet Callou, Dr. Lyrio Callou,  Dr. Teles, Dona Marcia Sampaio, Dona Letícia Sampaio,       (falava fluentemente francês) Miss Terezinha de Jesus Couto, Padre Agostinho (Latim e depois Português),Dr. Queiroz, Padre Carlos e muita gente boa, mais.

Como não dispunha de prédio próprio, nosso colégio o Mater Salvatoris, funcionava no Gabinete de Leitura à rua Pero Coelho.
                                                       
                                                             
                                                                                                                                                                                    
Analisávamos Camões. Padre Agostinho nos instigava. Alegrava-mo-nos com ele. O Latim nos oferecia a base. Ele astutamente nos guiava e lá estávamos traduzindo do Latim para o Português. Do Português para a Língua Latina. Versão e tradução. E o que dizer de Dr. Marchet Callou? O mestre nos transportava de Barbalha  a todos os países do planeta terra.   Exímio conhecedor da História Universal, nos convidava a grandes viagens. Nenhum de nós daquela turma única no mundo, ficou para prova final. Não nos permitíamos isso. Nosso mundo era grande, muito grande, gigante.

Com meu sonho de me formar em Engenharia para construir pontes, estradas e edifícios, empenhei-me em Matemática. E notas altas obtinha.

Um trio estudioso, Iraci Xavier, Socorro Coelho e eu, formávamos. Folhas de papel de embrulho, daquelas bem grandes, nas bodegas, comprávamos. Nas mesmas, exercícios de matemática e outros mais, treinávamos. Dona Márcia Sampaio, professora de matemática, pelo livro, uma enormidades de exercícios passava para estudo em casa e  avisava:  “É para nota. Todos devem resolver os exercícios em casa. Apenas uma pessoa chamarei  para um dos problemas no quadro negro resolver. A nota somente a ela, será atribuída.  Então, os problemas matemáticos, resolvam e aguardem”.  E repetia “Façam os exercícios e aguardem.” Nenhum vacilo nos permitíamos: diariamente, constantemente, em folhas de embrulho escritas dos dois lados, as tarefas propostas,  executávamos.

Terminado o Ginasial, voltei em 1954 a estudar em Crato, cursando o Normal (Pedagógico) no Colégio Santa Teresa e Contabilidade na Escola Técnica de Comercio de Crato, sob a segura direção do senhor Pedro Felício Cavalcante. Dentre os competentes professores, destaco homenageando, o já referido diretor ( na disciplina Contabilidade) e o padre Antônio Feitosa, em Português.
Prédio da Escola Técnica de Comercio em Crato, Ceará


Veja na foto o Seminário São José no alto do morro.
 A erosão ainda não fizera estragos.
         
Cursava o segundo ano nos dois  citados estabelecimentos de ensino quando, no início do segundo semestre, recebi o convite feito por uma   parenta da Saboinha, uma das proprietárias ou representante do Colégio Cristus, para coordenar o Curso Infantil daquele Colégio, em Fortaleza. Aceitei a proposta pedindo-lhe que me concedesse alguns meses  para, na ocasião propícia, por meus pais a par da minha decisão. Dispúnhamos de muito tempo. Faltava mais de um ano para concluir meu  curso pedagógico. Ela  disse-me que vira em mim alguém guerreira e simples. E junto àquela instituição, sua função era descobrir novos talentos. Confessei-lhe meu desejo de estudar e me formar em Engenharia. Ela me assegurou que eu teria além do salário, casa e comida. Naquele mesmo ano, em outubro, minha mãe partiu para a eternidade. Meu sonho foi-se embora com ela. Entretanto, a mesma senhora me propôs:“se é por causa das crianças, não desista. Há lugar para todas elas.” E meu pai o que fazer dele? Largá-lo? Jamais. Minha decisão, eu a tomei livremente, nem racional ou emocionalmente, mas equilibrada e firmemente. Nunca me arrependi.


Houve em mim, entretanto, não sei como nem quando, uma mudança de postura. Esqueci-me da Matemática amada, da Física e da Química. Hoje conto nos dedos quando faço a menor das operações fundamentais, a soma. Paro, olho-me e admirada, vejo que sou um mundo a ser descoberto, cheio de paisagens e de desertos, de lagos, de ilhas, de mares, de florestas... “Um mundo sempre velho e sempre novo”. E como diz São João da Cruz, “arrimado e sem arrimo”. Um advir.


                                                       
Cerimônia de Formatura, 1956-     Benção dos anéis:
Dom Francisco sentado .Bárbara M. Landim(vovó Neném)
 
pondo o anel  em meu dedo. (Aide Landim Luna)


1956- Aide Landim Luna
                                                                                 

Recebi meu diploma de professora em Crato no ano de 1956. Minha avó materna, Bárbara Maciel Landim (Mãe Neném) além do anel de formatura,  presenteou-me com uma viagem ao Rio de Janeiro. Meu primeiro encontro com o mar.


                                                                              
Aide, Rio de Janeiro- Copacabana- Fevereiro de 1957


Retornando à Barbalha trabalhei no Instituto Dom Bosco com alunos da terceira série primária, dentre eles minha irmã Maria Aline e Joãozinho Correia, hoje Doutor João Correia Saraiva um dos proprietários do Hospital Santo Antônio em Barbalha.

Em agosto do mesmo ano convidada pelo diretor, Padre Agostinho Mascarenhas, passei a lecionar Inglês no Colégio Santo Antônio,em Barbalha.

Em 1958 quando lecionava no colégio acima citado, um padre, vice-diretor do Colégio de Limoeiro do Norte que me conhecera em Fortaleza através dos CADES (Cursos de Aperfeiçoamento de Docentes. Promovidos pela Secretaria de Educação do Estado), foi a nossa casa convidar-me para  substitui-lo naquela conceituado estabelecimento de ensino. Falou antes com papai. Este  respondeu-lhe que eu estava, como sempre estivera, livre para decidir sobre minha própria vida. Não comentou nada comigo. À noitinha, mais ou menos pelas dezenove horas, o padre parou seu carro em frente a nossa casa. Papai o esperava sem que eu soubesse, o acolheu mas não o acompanhou quando adentrou em nossa casa Fiquei meio atrapalhada. Mas como o havia conhecido em Fortaleza, nos cursos, externei  a alegria que sua presença  me causava. Ele então me expôs o porquê da inusitada visita: substituí-lo no Colégio de Limoeiro do Norte. Sua proposta tentadora não mudou em nada o que se descortinava a minha frente. Ele insistiu. “Será melhor para você e para sua família. E seu pai concorda comigo. Diga sim e arrume as malas.” Não mudei minha visão, da realidade que vivia. Disse-lhe que ele se enganara. Eu jamais deixaria minha casa, meu pai, nem assinaria a proposta escrita que trouxera, asseguradora de um salário muito alto. “Nada padre, nada me demoverá do que escolhi para mim.” Ele me olhou entre admirado e surpreso. “Agora mocinha,” disse-me, “é que te conheço. Como precisamos de ti em nossa escola!” As meninas, Margaridinha e Martinha, minhas irmãs mais novas que brincavam na calçada, entraram em nossa casa rindo e gritando meu nome. Ele olhou para mim e disse: “elas roubaram teu coração, tua vida.” Respondi-lhe: “não, padre eu livremente o dei a elas.” Baixando a cabeça, sem se despedir, envergonhado, partiu em busca de outra pessoa que pudesse executar o trabalho que ele acreditava piamente, eu aceitaria pela alta remuneração que me propunha.

Papai que o aguardava na calçada, dele se despediu  sem lhe perguntar nada. Entrou em nossa casa e indagou se eu aceitara a proposta. Eu o olhei e nada respondi. Ele pegou a proposta de trabalho, na folha sobre a mesa. “Bem, você tomou sua decisão muito apressadamente.” Coitado de meu pai! Ele temia que eu o deixasse. Eu jamais faria isso. Ele perdera por descuido, imprudência, deslealdade a pessoa amada. A única paixão de sua vida.
                                              Jesus Cruz Luna/1963


Pobre homem, sofrido, perdido. Era rei e se tornou escravo. Era nobre e se tornou ralé. Eu, sua filha que o amava tanto, nunca o deixaria à revelia. Dele  cuidaria, dia após dia.
Os três filhos de Jesus Luna, barbalhenses.

Filhas de Jesus e Iaci: Martinha, Aide,Ariane Aride, Margaridinha
e Maria Aline (atrás)



Aide Luna Parente, setentona, no Centro da
Cidade Maravilhosa.
                                                     
Aide e seus quatros netos: > Sarah, Ian, Liv e Ricardo.
                                                                    
Os Landim Luna:> Martinha, Aristênio, Aride, Aline,Ariane,
Aide, 
Aécio ( de pé) e Arilo (atrás).

                               Os Landim Luna no batizado da Bárbara, filha do Arilo


         
Barbalha-1957, alunos do Instituto Dom Bosco.
Diretora- Maria do Carmo Luna Machado.
Professoras: Aide e Inezinha.
Aqui, nesta foto, estão barbalhenses que marcam com sua inteligência e ousadia a história de nossa querida
B A R B A L H A.
Se você estudou no Instituto, divulgue a foto após reconhecer,
pelo menos, 10 colegas. 

                                                .

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