sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

34 -NATAL E ANO NOVO NA CASA DA BICA, Compadre Miúdo.



                     6.  Natal na casa da Bica.

Sem medo da felicidade, os retalhos deixavam seus corações falar...



 Antes  de a "cambada" chegar, meu Chico, não o Buarque mas o Parente, trazia do Buriti um garrote gordo abatido, carnes bem tratadas de porco, carneiro, galinhas, perus. Eu e Maria, nossa Maria Alexandre, a de sempre, trabalhávamos bastante mas conseguíamos deixar os frizers arrumados. Oswaldo, marido de Ariane, sempre reclamava:


- Ida, que coisa. Você arruma as carnes e depois põe os ossos por cima. Que coisa! Comemos costelas assadas, cozidas, pirão e as partes boas, guardadas. Explique-me a razão desse seu proceder.

- Se eu deixar as costelas por último, podemos perdê-las. E não comemos apenas costelas, falador. Sempre temos outras carnes, a nossa disposição.
Ele falava só pelo gostinho de discutir comigo. Sinto falta dele. Como foram maravilhosas nossas férias em sua companhia!



> Carlinha, Rachel, Oswaldo e T. Denise.

Meu marido estabelecera que no Natal, como em todas as grandes festas, um dia é pouco para se festejar. Decretou, decreto este que vigora até hoje, que quem participasse da celebração natalina, da ceia, dos presentes,  comprometia-se a almoçar conosco no dia seguinte.

Minhas irmãs e eu preparávamos a celebração. A mim me cabia a liturgia. A elas, as alegorias: coroas, cintos e mantos para “Os Reis Magos”, estrelas para as meninas. Sempre havia uma acirrada competição. Quem seria a estrela que conduziria os Reis Magos? Na sorte, decidida. A lanterna de cabeça do tio Oswaldo, distinguia a estrela guia, das demais estrelas. Daí a disputa.




>Alinezinha, Ive, Aide ,Nádia e RômuloCorreia (de costas)




>Ariane, Nádia, Rômulo, Aride, Martinha com Alinezinha,
Ive e Aíde( de costas)

Nossa filha, T. Denise, com os primos quase da mesma idade, encarregava-se do “jornal mural”, redigido as escondidas, revelador das “escorregadelas”. Implacável, o dito jornal explicitava as escorregadelas, os “erros”, falcatruas, desandadas, de cada um, e de todos ao Landim Luna e Aderentes. Antes da publicação, sigilo absoluto. Guardado a sete chaves, só aparecia no dia 24 de dezembro quando, de cansado, o sol dormia. Aí era uma correria. Todos queriam, ao mesmo tempo, saber se fora citado no referido jornal e por qual razão. Gritaria, risos, gargalhadas. Tudo se iluminava. A verdade revelada traz sempre luz, alegria, poesia.

Thereza Denise

Thereza Denise

  
Rachel e Carlinha



Guga, Jesus Luna, Flávio e Bruno
Crarissa( atrás)

Após a Celebração, os presentes. Quando aquietados, surgiam os atores do teatro. As peças improvisadas por Tetê e primos, não fugia ao rema, ao tema: incidentes de percurso dos Landim Luna.

Num dos natais, não sei em qual, Dudu, Domingos Sávio,  vestiu-se de Dona Chica, tia Aide, com seu vestido de linho amarelo de debruns marrom. Ajudado por almofadas, estufou o peito e o bumbum e entrou fazendo a maior confusão.  Compadre Miúdo,  representado não me lembro por quem, de cabeça baixa, ouviu o “estouro” da comadre Aide. Gargalhada geral. Muito bem representada, a cena estava engasgada nas gargantas de meus irmãos, irmãs, sobrinhos e sobrinhas. “Como Ida fora injusta com o pobre compadre! O que dera nela para o destratar daquele jeito? Bem feito, agora ela sabia o que a família pensava sobre o assunto”.


E o que ocorrera realmente?

Quando no tempo de calor, eu no Colégio Estadual ou na Faculdade de Filosofia, não tinha aulas, convidava previamente colegas amigas, telefonava para o caseiro e ia até ao Refugio para um bom banho acompanhado de bebidas geladas e de comidinhas. Ali permanecíamos até as cinco e meia da tarde. Regressávamos refrescadas, alegres cheias de novas energias.
 Em um desses  dias, ao chegar ao belo portão da casa e apitar o carro, abriu-nos a porta, um senhor desconhecido. Pensei tratar-se de um amigo do caseiro. Cumprimentei-o, agradeci-lhe gentileza, parei o carro. Quando me dirigia para a bica com as colegas, vi na casa aberta, pessoa desconhecidas jogando baralho: senhores e senhoras. Estranhei o fato. Recuei, fui à casa do caseiro  perguntei quem eram aquelas pessoas.

- São amigos e amigas do mestre, seu Miúdo. Ele costuma trazer os amigos, compadres e conhecidos para aqui passarem tardes e mais tardes.
- Aqui em minha casa?

- Sim. A senhora não sabia? Ele tem até uma chave do portão de entrada, e da casa. Eu pensava que a senhora, disso sabia. Que ousadia
!
- Não. Eu não sabia.

- Cada vez que seu Miúdo vem eu  me arrepio. A seu doutor ele quer se parecer: mandando, ordenando. A ele eu disse, um dia, que a ele eu não servia. Ele de nada aqui é dono. É engano  seu o doutor querer ser. Hoje, que bom, a vez chegou, ele vai ter o que plantou. E já que comecei, comida, bebida, churrasco, música, tudo que é da senhora, até as redes, eles usam. Tudo limpo, deixam. Nisso, é ele direito.

A esta altura eu estava para lá de indignada. Como o compadre ousara fazer aquilo?

- Calma, dona Aide, muita calma. Visitas o mestre trouxe. São parentes importantes de São Paulo. Seu Doutor deve saber, vou ligar o telefone.

- Nem um passo. Fica onde estás. Se de ti eu precisar, te chamarei. O doutor saberá no tempo certo. Não agora. Senta-te e aguarda.

Pedi as colegas que me esperassem um pouco. Dirigi-me à bica e lá, com o compadre, muitos amigos, sua esposa, amigas, vizinhas. Todos bebiam e  divertiam-se. Desejei-lhes boa tarde. O compadre, meio desconfiado, veio ao meu encontro e  disse-me :
- Eu não sabia, que a senhora vinha aqui no meio da semana.
- E eu não sabia que tu te apoderaste de minha casa, como se tua fosse. Que história é esta, comadre?
- Bem, comadre, tu sabes bem. Tudo que há aqui eu construí. Dos alicerces ao muro, tudo. Meu compadre, seu Doutor, comigo falou que muito satisfeito ficou, com meu trabalho. Estas mãos, comadre, estas mãos e não as tuas, construíram este lugar. Sou meio dono.  Venho aqui todas as semanas, sem nenhuma falhar. E a água continua do mesmo tanto, no mesmo lugar. Os amigos, a família, eu trago aqui. O calor vai embora. É mesmo mágico este nosso lugar.

- Recebeste compadre, salário justo por teu trabalho?

- Mais do que justo. Recebi o salário e a gratidão de meu compadre. Da senhora eu não sei. Dele eu sei. Ele é compadre.

Irritei-me profundamente com seu tom de voz, e mais ainda com o menosprezo a minha pessoa. Queria, na frente dos amigos, louvar o compadre e deixar bem claro que eu não merecia atenção de sua parte nem da de ninguém. E que meu marido, homem justo, com uma megera casara-se.

- Compadre, não estou gostando desta tua conversa.

- Nem eu da tua, comadre. Nem da senhora ter chegado aqui assim, sem aviso.
-Então, para eu vir à minha casa, preciso te avisar?
- A mim, não. Ao caseiro sim. Ele teria me dito. Eu não passaria pelo vexame que estou passando.

- Vexame, compadre? Tu não viste vexame. Agora verás. Quem compadre, cutuca onça com vara curta, corre o risco de morrer. E é o que vai acontecer agora. Entrega-me a cópia da chave que fizeste desta casa, junta teu bando e some.

Enlouqueceu? Foi? Ficou louca? O compadre não vai gostar de saber o que a senhora está dizendo e fazendo. Pegue seu carro e vá com suas amigas. Eu telefono. O moço que eu contratei virá nos buscar. Tudo fica resolvido.

- Engano teu, compadre. Pegue agora, já, tudo que é teu. Junta teu bando e some daqui. Se daqui não sumires já, o caseiro chamarei. Pedirei sua espingarda e atirarei no teu traseiro. Vai-te daqui, já. Está na hora, compadre, vá embora. E vocês, o que esperam? É chumbo que querem? Vão ter. Não sou de brincadeira.  Levanta, cambada. Some daqui. Não respondo por mim, se daqui não sumirem, e já.

Chorando, a comadre me abraçou.
- Eu disse a ele, eu disse que a senhora deixaria nos tomar banho aqui sempre que desse certo. Mas ele é teimoso. Pensa que é o dono. Comadre, desculpe.

- Estás desculpada. O compadre perdeu o juízo. Anda mulher, carrega teu marido. Queres vê-lo cheio de chumbo, e eu na cadeia?

- Calma. Vamos. Corram. Dona Aide quando fica com raiva, perde o juízo. Quem a vida tem amor, me siga. E  saiu em disparada.

Tudo foi tão de repente que as amigas não se deram conta do “drama.” O compadre sumiu com seus convidados. O caseiro fechou o portão e perguntou-me:
- A senhora vai querer café, ou logo as comidinhas que mandou preparar.
- Cerveja bem gelada, os cozidos, depois te chamo. Vamos amigas.
Tomamos cervejas, comemos o que nos tinham preparado. Elas não me falaram sobre o incidente. Ao voltarmos, contei a meu marido o acontecido.
- Mas que malandro, meu compadre. E corajoso. Amanhã estará no consultório, cheio de manhas, querendo falar mal de ti. Ele receberá o que merece. Mas diz-me cheirinho, tu ias mesmo enche-lo de chumbo?

- Duvidas? Sabes que com raiva, perco o juízo. Que coisa doida, o compadre achar-se dono de nosso refúgio. Será que tu, Parente, tens culpa nesta história?

- Eu, culpa, de que, mulher? Ele, coitado, entendeu mal o modo como o tratamos e o consideramos. Mas já passou. E o caseiro, ele não te ajudou?

- O caseiro, meu querido, esperava uma oportunidade de denunciar o compadre. Recebeu meu telefonema, calou-se. Ao compadre não avisou. Vingou-se. Tinha ciúmes do compadre.

- Conta-me mais uma vez esta história. Gostei de te ouvir.

- Gostaste, eu sei. Mas contar-te outra vez, jamais. Esqueça. Eu perdi a cabeça. Irritei-me demais. Lamento aquele momento. Se fosse possível, agiria diferente. Mas agora não há como mudar o acontecido. E se queres saber, arrependo-me de não me haver controlado.
 
E ali, na festa do Natal, meus sobrinhos ajudados pelos pais e tios, defendiam compadre Miúdo. Eu se tivesse pensado melhor, teria recuado. Mas o compadre, desavisado, “ calos meus pisara”.

Em outro Natal, naquele que celebramos quando Martinha, Julio e filhos estavam conosco a festa também foi maravilhosa.  Na festa de ano novo Rômulo bebeu demais e resolveu, com saudades da família Correia, sua mãe Alice, beijar. Desceu no carro, embriagado, nós preocupados. A mãe não beijou. Ela acordada de madrugada, agoniada, a porta não lhe abriu. Ele, abrigo procurou, junto a um irmão.
- Durma na carro. Seu mal é álcool, não saudades.
Pela manhã, desconfiado, o porre passado, fez nosso café. Ficamos rindo dele, coitado, que amor tinha para dar a valer.
Em outro de nossos natais, Romim e Dudu nos disseram que estava ficando chato aquelas festas seguidas em família, na Casa da Bica. Pensariam em outro lugar, para o ano novo festejar. Gostei da ideia. Toda a família aplaudiu. Em nosso quarto eu e Parente segredamos: “que bom, vão fazer festas em outro lugar. Descansaremos. Estamos precisando.” Nádia, animada, de lápis e papel nas mãos chamou a todos para o planejamento. Rápido, tudo se resolveu, no papel. Chico Parente ria. “Dará certo, cheirinho?” “Para eles, não sei, para nos, sim.” E a turma se mandou para Juazeiro. Olhou o lugar pretendido para a festa. Tudo OK, tudo certo. E a Orquestra? “Ó, que bobagem, está assim de gente querendo ganhar dinheiro com música, podem deixar, eu me responsabilizo”, era o Rômulo Junior falando, afirmando, gesticulando.

Quando a turma voltou de Juazeiro, avisamos que nós dois, eu e Parente, passaríamos o Ano Novo no Buriti, só nós dois. T. Denise não concordou.
- Eu vou também. Ano Novo sozinha, sem vocês, jamais.
- E eu, falou Quelzinha, e eu vou ficar aqui? Nem pensar. Vou também.
Clarissa não falou nada. Ela sabia que quando decidimos festejar o Ano Novo no Buriti, ela estava incluída. Jamais a deixaríamos. À Tetê e à Quel deixamos livres para a escolha, ela não, era nossa caçulinha, pequenina, dengosa, manhosa, que  nos adotara verdadeiramente, como pais. Parente então disse solenemente a todos:

Aide, me disse que não quer nenhum de vocês no Buriti. Ela precisa de tempo e de espaço para se encontrar. Estou feliz porque a festa de vocês será ótima. Viajaremos no dia 30. Até lá invistam em sua festa e  divirtam-se por aqui.
No dia 30 como planejamos, fomos ao Buriti. Chico Parente comprou duas grades de refrigerantes e duas de cerveja.
- Para que tanta bebida, Parente?
- Ah, mulher, você gosta de cerveja. Se faltar, vira tristeza.
- Bem , eu preferia um vinho, um conhaque, um licor. Estou com náusea do cheiro de cerveja. Meu povo bebeu demais.
- Então eu paro o carro no depósito, você pega o que quiser. Não pague. Pegue  espumantes. Esta data é importante, vou curti-la com você.
Quando chegamos ao Buriti, ele mandou chamar comadre Dunda, Zé de Ana, e mais outros moradores.
- Comadre Dunda, eu trouxe sua feirinha. Cuide bem de minha mulher. Ela esta cansada. E você, Zé de Ana, faça uma churrasqueira de tijolos aqui no calçadão. Compadre Pedro, já matou os animais?
- O que é isso, Parente? Para que Churrasqueira? Matar animais? Somos somente nós. Vamos aproveitar e comer galinha de capoeira com molho pardo, peru e os bifes gostosos de nossa comadre.
- Você acha mesmo que aquela festa mixuruca vai dar certo? Amanhã, o mais tardar as sete horas da noite,  verás as luzes dos carros vindo aqui para nosso Buriti.
- Nem pensar, Parente, nem pensar. Bate na boca homem, para este augúrio espantar.

- Meu pai está certo, mainha. Ele todos virão. Não é Quelzinha?
-É Tetê. Virão sim. Como vão se virar sem mainha.
- Bem, gente, se é assim, aproveitemos esta paz de hoje. Meu compadre...
- Diga comadre.
- Lembre-se da fogueira.
- Já providenciei, comadre.
- Trouxemos muito café, biscoitos, bolos e um mundaréu de coisa. Se os moradores vierem, deixe que eles participem de nossas conversas.
- Minha comadre, e quando foi que este velho saiu na frente da senhora? Quando eles sabem que a senhora vem com as meninas, ficam alegres e sabem do bom café gordo que terão. Eita vidão, comadre! Eita como é bom quando a comadre e as meninas estão aqui!
Passamos aquela bela e sossegada tarde e noite, com os moradores. 
> Rachel e Aide no Buriti


Pouco a pouco o sono foi chegando. Aproveitei-o. Sentir sono é uma raridade em minha vida. Deitei-me e dormi como uma pedra. A manhã já ia alta quando me acordei. Disseram-me que T. Denise saíra com o Juju, seu cavalinho e com Chiquinho, amigo seu do sítio, para comprar tijolo de leite, bolo mole, amendoim torrado em Santana do Cariri, e que Rachel estava sossegada, brincando com Corrinha. E Clarissa?
- Está com o pai, olhando uns bezerros.
 
> Clarissa e o pai, Chico Parente


Aqueles dois se amavam e  entendia-se muito bem. Um gostava do que o outro gostava. Em Clarissa, Parente encontrara a companhia ideal, a filha que sabia os nomes de todos os seus animais, batizava os borregos, acompanhava-o nas roças, não se cansava. Ao contrário, amava o que aquele pai amava.  E de madrugada, todos os dias, vinha com seu travesseiro e lençol e se deitava entre nós dois, abraçada ao pai. Quando depois de alguns anos não veio passar o período de férias , ao vir ficar conosco já aos 14 anos, ele me perguntou:
- Será que ela virá dormir conosco?
- Parente, Clarissa agora é uma moça. É Claro que não virá. Por que queres sofrer sua ausência?
Mas, contra meu lúcido raciocínio, ela veio. Deitou-se conosco, aos nossos pés. Acordei-me e a chamei:
- Por que estás aí, filha minha?
-Para não incomodar, mãezinha.
-Tu nunca nos incomodas, minha filha. Teu pai estava te esperando.
- Juras, mãezinha? Ele me esperou?
- Juro sim, vem para teu lugar.
Ao acordar e vê-la adormecida, ele a beijou agradecido.
- Ela veio. Estava com saudades.
- Será? Tu estavas com saudades dela.
- Ela é parecida comigo. Ela é linda. Ela é perfeita. Ela é nossa filha.
Voltando... Passamos aquele dia tranquilamente. Tetê, como sempre, só retornou quando quis. Juju continuava seu amigo fiel, Chiquinho também. Ela pegava uma bacia de milho, cantava e pulava dizendo:
-  Aonde Tetê vai, Juju vai atrás. Aonde Tetê vai, Juju vai atrás.
E ele ia mesmo. Depois baixava a cabeça pegava-a pelo bumbum e a levantava. Eram amigos.
Após o jantar, Parente estanhando porque eu não bebera nem mesmo um refrigerante, indagou:
-Tens certeza de que estás bem? Estás estranha. Sossegada, calada. Estás bem?
- Sim, estou muito bem. Esta tudo perfeito. Ouça o vento. Que bom estarmos aqui só nós. Eu estava precisando disso.
- E não vais beber tua cerveja?
- Hoje não. Estou tão bem. Vou dormir cedo. O compadre arrumou a fogueira?
- E ele esquece? A comadre chegou, chegou a felicidade. Também com fumo de rolo, biscoitos e pão, vais comprando teu compadre.
- Eita homem exagerado!
- Cheirinho, não quero acabar com teu sossego, mas olha. Lá em cima, uma luz de carro. A cambada está chegando. Compadre Pedro, chame Zé de Ana para acender a churrasqueira. O povo está chegando, meu compadre .
- Tu sabias. Não é mesmo, Parente? Tu os convidaste.  És mesmo um sonso.
- Bem convidar, convidar assim convidando, não convidei, mas disse que se a festa não desse certo, viessem para cá. E você sabe muito bem que aquela festa nunca daria certo. Zé de Ana, vamos lá, acende de uma vez a churrasqueira. Comadre Dunda, você fez o que eu mandei?
- Fiz sim, doutor, o baião com queijo e pequi está no ponto.
- Parente, você não sabe viver sem meus irmãos. Até se meteu em minha cozinha. Comadre Dunda, desde quando eu estando aqui, meu marido manda na minha cozinha?
- Sei não comadre, sei não. Mas o doutor me disse que os irmãos da senhora iam chegar de surpresa, e mandou eu fazer baião. Ai eu fiz. Tô errada, comadre?
- Não. Estás mais do que certa. Agora vais achar muito bom. Teus camaradas vão te adular e te encher de muita cerveja.
- Amém, comadre. Eu só bebo cerveja quando eles estão aqui.  E a linguiça, doutor, eu torro ou vai ser na churrasqueira?
- Torre, Dunda. Torre. Eles não jantaram.
O primeiro a chegar foi Aristênio. Nadia ria feito criança. A festa não acontecera. Uns esperando pelos outros. Nem mesmo o local, arrendaram. Nada fora providenciado. Ficara no papel, só no papel. Parente dava risadas da raiva do Tenoca  que depois, ria-se de si mesmo. Como caíra naquele conto do vigário? Nádia, rindo, me perguntava:
- Como aguentas, Ida. Que povinho complicado. Fala, fala , fala, e da festa, ninguém cuida, que coisa louca! Ari ficou irritado. Rominho nem falou com o tocador. Tudo só imaginação. Que doideira! E antes que a coisa engrossasse, entramos no carro e vimos para cá. E diga-me Ida, em que lugar dormiremos?
- Ora, Nádia, escolha. Quem chega primeiro, tem o primeiro lugar. Veja aonde desejas dormir.
- Ah que alívio, maninha! Já não suportava o calor, a conversa, a confusão. Vocês são sábios, caíram fora antes do começo. Dou a mão à palmatória. Caí no conto do vigário.
- Diga-me, meu irmão, quem pagaria a conta da festa?
- Sei lá. Falaram num rateio, em dividir despesas.
- E quem assinaria os contratos do local, da orquestra, e pegaria o “sinal”, adiantado.
- Com certeza, não eu. Se pensaram em mim, erraram.
- Aí está a razão do fracasso da pretendida festa. Sem um líder, um cabeça, como as coisas poderiam andar?
- Confesse-me , meu irmão, não quiseste assumir as despesas.
- E por que as assumiria? O Rômulo Junior garantiu-nos que convidara pessoas que pagariam pela entrada. Não apareceu ninguém. Só tristezas, maninha.
- E por que ficas a remoer o que passou? Já jantaste?
- Não. Nem me lembrei disso.
- És desmiolado, irmão. E teus filhos, deles cuidaste?
- Também não. Eu estava tão zangado, tão irado, que emudeci.
- Então agora sossegue. Comadre Dunda te servirá. Com tua mulher e tuas crianças, cuide em jantar. Eu hoje sou convidada.  Não me levantarei desta preguiçosa por nada, nem por ti. Vira-te irmão.
Comadre Dunda fez as honras da casa. Pacificado ,Tenoca pegou o violão e a festa começou. Um a um, os irmãos chegaram. Aécio,o último, para me desestabilizar, afirmou que dormiria no carro, não fora convidado para a festa do Buriti. Dessa vez não cedi. Deixei-o no carro e fui para minha cama. A festa rolou a noite inteira. Parente radiante de felicidade, os cunhados-irmãos estavam com ele. Isto bastava. E foi assim aquele Ano Novo do qual lembro-me dos fatos, dos números, não. Por esta razão não posso informar em que ano aconteceu. Mas que aconteceu, aconteceu. Quem tem memória, lembrará. 

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