6. Natal na casa da Bica.
Sem medo da felicidade, os retalhos deixavam seus corações falar... |
- Ida, que coisa. Você arruma as
carnes e depois põe os ossos por cima. Que coisa! Comemos costelas assadas,
cozidas, pirão e as partes boas, guardadas. Explique-me a razão desse seu
proceder.
- Se eu deixar as costelas por último,
podemos perdê-las. E não comemos apenas costelas, falador. Sempre temos outras
carnes, a nossa disposição.
Ele falava só pelo gostinho de
discutir comigo. Sinto falta dele. Como foram maravilhosas nossas férias em sua
companhia!
> Carlinha, Rachel, Oswaldo e T. Denise. |
Meu marido estabelecera que no Natal,
como em todas as grandes festas, um dia é pouco para se festejar. Decretou,
decreto este que vigora até hoje, que quem participasse da celebração natalina,
da ceia, dos presentes, comprometia-se a
almoçar conosco no dia seguinte.
Minhas irmãs e eu
preparávamos a celebração. A mim me cabia a liturgia. A elas, as alegorias:
coroas, cintos e mantos para “Os Reis Magos”, estrelas para as meninas. Sempre
havia uma acirrada competição. Quem seria a estrela que conduziria os Reis
Magos? Na sorte, decidida. A lanterna de cabeça do tio Oswaldo, distinguia a
estrela guia, das demais estrelas. Daí a disputa.
>Alinezinha, Ive, Aide ,Nádia e RômuloCorreia (de costas) |
>Ariane, Nádia, Rômulo, Aride, Martinha com Alinezinha,
Ive e Aíde( de costas)
Nossa filha, T. Denise, com os primos
quase da mesma idade, encarregava-se do “jornal mural”, redigido as escondidas,
revelador das “escorregadelas”. Implacável, o dito jornal explicitava as escorregadelas,
os “erros”, falcatruas, desandadas, de cada um, e de todos ao Landim Luna e
Aderentes. Antes da publicação, sigilo absoluto. Guardado a sete chaves, só
aparecia no dia 24 de dezembro quando, de cansado, o sol dormia. Aí era uma
correria. Todos queriam, ao mesmo tempo, saber se fora citado no referido
jornal e por qual razão. Gritaria, risos, gargalhadas. Tudo se iluminava. A
verdade revelada traz sempre luz, alegria, poesia.
Thereza Denise |
Thereza Denise |
Após a Celebração, os presentes.
Quando aquietados, surgiam os atores do teatro. As peças improvisadas por Tetê
e primos, não fugia ao rema, ao tema: incidentes de percurso dos Landim Luna.
Num dos natais, não sei em qual, Dudu,
Domingos Sávio, vestiu-se de Dona Chica,
tia Aide, com seu vestido de linho amarelo de debruns marrom. Ajudado por
almofadas, estufou o peito e o bumbum e entrou fazendo a maior confusão. Compadre Miúdo, representado não me lembro por quem, de
cabeça baixa, ouviu o “estouro” da comadre Aide. Gargalhada geral. Muito bem
representada, a cena estava engasgada nas gargantas de meus irmãos, irmãs,
sobrinhos e sobrinhas. “Como Ida fora injusta com o pobre compadre! O que dera
nela para o destratar daquele jeito? Bem feito, agora ela sabia o que a família
pensava sobre o assunto”.
E o que ocorrera realmente?
Quando no tempo de calor, eu no
Colégio Estadual ou na Faculdade de Filosofia, não tinha aulas, convidava
previamente colegas amigas, telefonava para o caseiro e ia até ao Refugio para
um bom banho acompanhado de bebidas geladas e de comidinhas. Ali permanecíamos
até as cinco e meia da tarde. Regressávamos refrescadas, alegres cheias de
novas energias.
Em um desses
dias, ao chegar ao belo portão da casa e apitar o carro, abriu-nos a
porta, um senhor desconhecido. Pensei tratar-se de um amigo do caseiro.
Cumprimentei-o, agradeci-lhe gentileza, parei o carro. Quando me dirigia para a
bica com as colegas, vi na casa aberta, pessoa desconhecidas jogando baralho: senhores
e senhoras. Estranhei o fato. Recuei, fui à casa do caseiro perguntei quem eram aquelas pessoas.
- São amigos e amigas do mestre, seu
Miúdo. Ele costuma trazer os amigos, compadres e conhecidos para aqui passarem
tardes e mais tardes.
- Aqui em minha casa?
- Sim. A senhora não sabia? Ele tem
até uma chave do portão de entrada, e da casa. Eu pensava que a senhora, disso
sabia. Que ousadia
!
- Não. Eu não sabia.
- Cada vez que seu Miúdo vem eu me arrepio. A seu doutor ele quer se parecer:
mandando, ordenando. A ele eu disse, um dia, que a ele eu não servia. Ele de
nada aqui é dono. É engano seu o doutor
querer ser. Hoje, que bom, a vez chegou, ele vai ter o que plantou. E já que
comecei, comida, bebida, churrasco, música, tudo que é da senhora, até as
redes, eles usam. Tudo limpo, deixam. Nisso, é ele direito.
A esta altura eu estava para lá de
indignada. Como o compadre ousara fazer aquilo?
- Calma, dona Aide, muita calma.
Visitas o mestre trouxe. São parentes importantes de São Paulo. Seu Doutor deve
saber, vou ligar o telefone.
- Nem um passo. Fica onde estás. Se de
ti eu precisar, te chamarei. O doutor saberá no tempo certo. Não agora.
Senta-te e aguarda.
Pedi as colegas que me esperassem um
pouco. Dirigi-me à bica e lá, com o compadre, muitos amigos, sua esposa,
amigas, vizinhas. Todos bebiam e divertiam-se. Desejei-lhes boa tarde. O
compadre, meio desconfiado, veio ao meu encontro e disse-me :
- Eu não sabia, que a senhora vinha
aqui no meio da semana.
- E eu não sabia que tu te apoderaste
de minha casa, como se tua fosse. Que história é esta, comadre?
- Bem, comadre, tu sabes bem. Tudo que
há aqui eu construí. Dos alicerces ao muro, tudo. Meu compadre, seu Doutor,
comigo falou que muito satisfeito ficou, com meu trabalho. Estas mãos, comadre,
estas mãos e não as tuas, construíram este lugar. Sou meio dono. Venho aqui todas as semanas, sem nenhuma
falhar. E a água continua do mesmo tanto, no mesmo lugar. Os amigos, a família,
eu trago aqui. O calor vai embora. É mesmo mágico este nosso lugar.
- Recebeste compadre, salário justo
por teu trabalho?
- Mais do que justo. Recebi o salário
e a gratidão de meu compadre. Da senhora eu não sei. Dele eu sei. Ele é
compadre.
Irritei-me profundamente com seu tom
de voz, e mais ainda com o menosprezo a minha pessoa. Queria, na frente dos
amigos, louvar o compadre e deixar bem claro que eu não merecia atenção de sua
parte nem da de ninguém. E que meu marido, homem justo, com uma megera casara-se.
- Compadre, não estou gostando desta
tua conversa.
- Nem eu da tua, comadre. Nem da
senhora ter chegado aqui assim, sem aviso.
-Então, para eu vir à minha casa,
preciso te avisar?
- A mim, não. Ao caseiro sim. Ele
teria me dito. Eu não passaria pelo vexame que estou passando.
- Vexame, compadre? Tu não viste
vexame. Agora verás. Quem compadre, cutuca onça com vara curta, corre o risco
de morrer. E é o que vai acontecer agora. Entrega-me a cópia da chave que
fizeste desta casa, junta teu bando e some.
Enlouqueceu? Foi? Ficou louca? O
compadre não vai gostar de saber o que a senhora está dizendo e fazendo. Pegue
seu carro e vá com suas amigas. Eu telefono. O moço que eu contratei virá nos
buscar. Tudo fica resolvido.
- Engano teu, compadre. Pegue agora,
já, tudo que é teu. Junta teu bando e some daqui. Se daqui não sumires já, o
caseiro chamarei. Pedirei sua espingarda e atirarei no teu traseiro. Vai-te
daqui, já. Está na hora, compadre, vá embora. E vocês, o que esperam? É chumbo
que querem? Vão ter. Não sou de brincadeira.
Levanta, cambada. Some daqui. Não respondo por mim, se daqui não sumirem,
e já.
Chorando, a comadre me abraçou.
- Eu disse a ele, eu disse que a
senhora deixaria nos tomar banho aqui sempre que desse certo. Mas ele é
teimoso. Pensa que é o dono. Comadre, desculpe.
- Estás desculpada. O compadre perdeu
o juízo. Anda mulher, carrega teu marido. Queres vê-lo cheio de chumbo, e eu na
cadeia?
- Calma. Vamos. Corram. Dona Aide
quando fica com raiva, perde o juízo. Quem a vida tem amor, me siga. E saiu em disparada.
Tudo foi tão de repente que as amigas
não se deram conta do “drama.” O compadre sumiu com seus convidados. O caseiro
fechou o portão e perguntou-me:
- A senhora vai querer café, ou logo
as comidinhas que mandou preparar.
- Cerveja bem gelada, os cozidos,
depois te chamo. Vamos amigas.
Tomamos cervejas, comemos o que nos
tinham preparado. Elas não me falaram sobre o incidente. Ao voltarmos, contei a
meu marido o acontecido.
- Mas que malandro, meu compadre. E
corajoso. Amanhã estará no consultório, cheio de manhas, querendo falar mal de
ti. Ele receberá o que merece. Mas diz-me cheirinho, tu ias mesmo enche-lo de
chumbo?
- Duvidas? Sabes que com raiva, perco
o juízo. Que coisa doida, o compadre achar-se dono de nosso refúgio. Será que
tu, Parente, tens culpa nesta história?
- Eu, culpa, de que, mulher? Ele,
coitado, entendeu mal o modo como o tratamos e o consideramos. Mas já passou. E
o caseiro, ele não te ajudou?
- O caseiro, meu querido, esperava uma
oportunidade de denunciar o compadre. Recebeu meu telefonema, calou-se. Ao
compadre não avisou. Vingou-se. Tinha ciúmes do compadre.
- Conta-me mais uma vez esta história. Gostei de te ouvir.
- Gostaste, eu sei. Mas contar-te
outra vez, jamais. Esqueça. Eu perdi a cabeça. Irritei-me demais. Lamento
aquele momento. Se fosse possível, agiria diferente. Mas agora não há como
mudar o acontecido. E se queres saber, arrependo-me de não me haver
controlado.
E ali, na festa do Natal, meus
sobrinhos ajudados pelos pais e tios, defendiam compadre Miúdo. Eu se tivesse
pensado melhor, teria recuado. Mas o compadre, desavisado, “ calos meus
pisara”.
Em outro Natal, naquele que celebramos
quando Martinha, Julio e filhos estavam conosco a festa também foi maravilhosa.
Na festa de ano novo Rômulo bebeu demais
e resolveu, com saudades da família Correia, sua mãe Alice, beijar. Desceu no
carro, embriagado, nós preocupados. A mãe não beijou. Ela acordada de
madrugada, agoniada, a porta não lhe abriu. Ele, abrigo procurou, junto a um
irmão.
- Durma na carro. Seu mal é álcool, não
saudades.
Pela manhã, desconfiado, o porre
passado, fez nosso café. Ficamos rindo dele, coitado, que amor tinha para dar a
valer.
Em outro de nossos natais, Romim e
Dudu nos disseram que estava ficando chato aquelas festas seguidas em família,
na Casa da Bica. Pensariam em outro lugar, para o ano novo festejar. Gostei da
ideia. Toda a família aplaudiu. Em nosso quarto eu e Parente segredamos: “que
bom, vão fazer festas em outro lugar. Descansaremos. Estamos precisando.”
Nádia, animada, de lápis e papel nas mãos chamou a todos para o planejamento.
Rápido, tudo se resolveu, no papel. Chico Parente ria. “Dará certo, cheirinho?”
“Para eles, não sei, para nos, sim.” E a turma se mandou para Juazeiro. Olhou o
lugar pretendido para a festa. Tudo OK, tudo certo. E a Orquestra? “Ó, que
bobagem, está assim de gente querendo ganhar dinheiro com música, podem deixar,
eu me responsabilizo”, era o Rômulo Junior falando, afirmando, gesticulando.
Quando a turma voltou de Juazeiro,
avisamos que nós dois, eu e Parente, passaríamos o Ano Novo no Buriti, só nós
dois. T. Denise não concordou.
- Eu vou também. Ano Novo sozinha, sem
vocês, jamais.
- E eu, falou Quelzinha, e eu vou
ficar aqui? Nem pensar. Vou também.
Clarissa não falou nada. Ela sabia que
quando decidimos festejar o Ano Novo no Buriti, ela estava incluída. Jamais a
deixaríamos. À Tetê e à Quel deixamos livres para a escolha, ela não, era nossa
caçulinha, pequenina, dengosa, manhosa, que nos adotara verdadeiramente, como pais.
Parente então disse solenemente a todos:
Aide, me disse que não quer nenhum de
vocês no Buriti. Ela precisa de tempo e de espaço para se encontrar. Estou
feliz porque a festa de vocês será ótima. Viajaremos no dia 30. Até lá invistam
em sua festa e divirtam-se por aqui.
No dia 30 como planejamos, fomos ao Buriti. Chico Parente comprou duas grades de refrigerantes e duas de cerveja.
- Para que tanta bebida, Parente?
- Ah, mulher, você gosta de cerveja.
Se faltar, vira tristeza.
- Bem , eu preferia um vinho, um
conhaque, um licor. Estou com náusea do cheiro de cerveja. Meu povo bebeu
demais.
- Então eu paro o carro no depósito,
você pega o que quiser. Não pague. Pegue espumantes. Esta data é
importante, vou curti-la com você.
Quando chegamos ao Buriti, ele mandou
chamar comadre Dunda, Zé de Ana, e mais outros moradores.
- Comadre Dunda, eu trouxe sua feirinha. Cuide bem de minha mulher. Ela esta cansada. E você, Zé de Ana, faça
uma churrasqueira de tijolos aqui no calçadão. Compadre Pedro, já matou os
animais?
- O que é isso, Parente? Para que
Churrasqueira? Matar animais? Somos somente nós. Vamos aproveitar e comer
galinha de capoeira com molho pardo, peru e os bifes gostosos de nossa comadre.
- Você acha mesmo que aquela festa
mixuruca vai dar certo? Amanhã, o mais tardar as sete horas da noite, verás as luzes dos carros vindo aqui para nosso Buriti.
- Nem pensar, Parente, nem pensar. Bate
na boca homem, para este augúrio espantar.
- Meu pai está certo, mainha. Ele
todos virão. Não é Quelzinha?
-É Tetê. Virão sim. Como vão se virar
sem mainha.
- Bem, gente, se é assim, aproveitemos
esta paz de hoje. Meu compadre...
- Diga comadre.
- Lembre-se da fogueira.
- Já providenciei, comadre.
- Trouxemos muito café, biscoitos,
bolos e um mundaréu de coisa. Se os moradores vierem, deixe que eles participem
de nossas conversas.
- Minha comadre, e quando foi que este
velho saiu na frente da senhora? Quando eles sabem que a senhora vem com as
meninas, ficam alegres e sabem do bom café gordo que terão. Eita vidão,
comadre! Eita como é bom quando a comadre e as meninas estão aqui!
Passamos aquela bela e sossegada tarde
e noite, com os moradores.
> Rachel e Aide no Buriti |
Pouco a pouco o sono foi chegando. Aproveitei-o.
Sentir sono é uma raridade em minha vida. Deitei-me e dormi como uma pedra. A
manhã já ia alta quando me acordei. Disseram-me que T. Denise saíra com o Juju,
seu cavalinho e com Chiquinho, amigo seu do sítio, para comprar tijolo de
leite, bolo mole, amendoim torrado em Santana do Cariri, e que Rachel estava
sossegada, brincando com Corrinha. E Clarissa?
- Está com o pai, olhando uns
bezerros.
Aqueles dois se amavam e entendia-se muito bem. Um gostava do que o
outro gostava. Em Clarissa, Parente encontrara a companhia ideal, a filha que
sabia os nomes de todos os seus animais, batizava os borregos, acompanhava-o
nas roças, não se cansava. Ao contrário, amava o que aquele pai amava. E de madrugada, todos os dias, vinha com seu
travesseiro e lençol e se deitava entre nós dois, abraçada ao pai. Quando
depois de alguns anos não veio passar o período de férias , ao vir ficar
conosco já aos 14 anos, ele me perguntou:
- Será que ela virá dormir conosco?
- Parente, Clarissa agora é uma moça.
É Claro que não virá. Por que queres sofrer sua ausência?
Mas, contra meu lúcido raciocínio, ela
veio. Deitou-se conosco, aos nossos pés. Acordei-me e a chamei:
- Por que estás aí, filha minha?
-Para não incomodar, mãezinha.
-Tu nunca nos incomodas, minha filha.
Teu pai estava te esperando.
- Juras, mãezinha? Ele me esperou?
- Juro sim, vem para teu lugar.
Ao acordar e vê-la adormecida, ele a
beijou agradecido.
- Ela veio. Estava com saudades.
- Será? Tu estavas com saudades dela.
- Ela é parecida comigo. Ela é linda.
Ela é perfeita. Ela é nossa filha.
Voltando... Passamos aquele dia
tranquilamente. Tetê, como sempre, só retornou quando quis. Juju continuava seu
amigo fiel, Chiquinho também. Ela pegava uma bacia de milho, cantava e pulava
dizendo:
-
Aonde Tetê vai, Juju vai atrás. Aonde Tetê vai, Juju vai atrás.
E ele ia mesmo. Depois baixava a
cabeça pegava-a pelo bumbum e a levantava. Eram amigos.
Após o jantar, Parente estanhando
porque eu não bebera nem mesmo um refrigerante, indagou:
-Tens certeza de que estás bem? Estás
estranha. Sossegada, calada. Estás bem?
- Sim, estou muito bem. Esta tudo
perfeito. Ouça o vento. Que bom estarmos aqui só nós. Eu estava precisando
disso.
- E não vais beber tua cerveja?
- Hoje não. Estou tão bem. Vou dormir
cedo. O compadre arrumou a fogueira?
- E ele esquece? A comadre chegou,
chegou a felicidade. Também com fumo de rolo, biscoitos e pão, vais comprando
teu compadre.
- Eita homem exagerado!
- Cheirinho, não quero acabar com teu
sossego, mas olha. Lá em cima, uma luz de carro. A cambada está chegando.
Compadre Pedro, chame Zé de Ana para acender a churrasqueira. O povo está
chegando, meu compadre .
- Tu sabias. Não é mesmo, Parente? Tu
os convidaste. És mesmo um sonso.
- Bem convidar, convidar assim
convidando, não convidei, mas disse que se a festa não desse certo, viessem
para cá. E você sabe muito bem que aquela festa nunca daria certo. Zé de Ana,
vamos lá, acende de uma vez a churrasqueira. Comadre Dunda, você fez o que eu
mandei?
- Fiz sim, doutor, o baião com queijo
e pequi está no ponto.
- Parente, você não sabe viver sem meus
irmãos. Até se meteu em minha cozinha. Comadre Dunda, desde quando eu estando
aqui, meu marido manda na minha cozinha?
- Sei não comadre, sei não. Mas o
doutor me disse que os irmãos da senhora iam chegar de surpresa, e mandou eu
fazer baião. Ai eu fiz. Tô errada, comadre?
- Não. Estás mais do que certa. Agora
vais achar muito bom. Teus camaradas vão te adular e te encher de muita
cerveja.
- Amém, comadre. Eu só bebo cerveja
quando eles estão aqui. E a linguiça,
doutor, eu torro ou vai ser na churrasqueira?
- Torre, Dunda. Torre. Eles não
jantaram.
O primeiro a chegar foi Aristênio.
Nadia ria feito criança. A festa não acontecera. Uns esperando pelos outros.
Nem mesmo o local, arrendaram. Nada fora providenciado. Ficara no papel, só no
papel. Parente dava risadas da raiva do Tenoca que depois, ria-se de si mesmo. Como caíra
naquele conto do vigário? Nádia, rindo, me perguntava:
- Como aguentas, Ida. Que povinho
complicado. Fala, fala , fala, e da festa, ninguém cuida, que coisa louca! Ari
ficou irritado. Rominho nem falou com o tocador. Tudo só imaginação. Que
doideira! E antes que a coisa engrossasse, entramos no carro e vimos para cá. E
diga-me Ida, em que lugar dormiremos?
- Ora, Nádia, escolha. Quem chega
primeiro, tem o primeiro lugar. Veja aonde desejas dormir.
- Ah que alívio, maninha! Já não
suportava o calor, a conversa, a confusão. Vocês são sábios, caíram fora antes
do começo. Dou a mão à palmatória. Caí no conto do vigário.
- Diga-me, meu irmão, quem pagaria a
conta da festa?
- Sei lá. Falaram num rateio, em
dividir despesas.
- E quem assinaria os contratos do
local, da orquestra, e pegaria o “sinal”, adiantado.
- Com certeza, não eu. Se pensaram em
mim, erraram.
- Aí está a razão do fracasso da
pretendida festa. Sem um líder, um cabeça, como as coisas poderiam andar?
- Confesse-me , meu irmão, não
quiseste assumir as despesas.
- E por que as assumiria? O Rômulo
Junior garantiu-nos que convidara pessoas que pagariam pela entrada. Não
apareceu ninguém. Só tristezas, maninha.
- E por que ficas a remoer o que
passou? Já jantaste?
- Não. Nem me lembrei disso.
- És desmiolado, irmão. E teus filhos,
deles cuidaste?
- Também não. Eu estava tão zangado,
tão irado, que emudeci.
- Então agora sossegue. Comadre Dunda
te servirá. Com tua mulher e tuas crianças, cuide em jantar. Eu hoje sou
convidada. Não me levantarei desta
preguiçosa por nada, nem por ti. Vira-te irmão.
Comadre Dunda fez as honras da casa.
Pacificado ,Tenoca pegou o violão e a festa começou. Um a um, os irmãos
chegaram. Aécio,o último, para me desestabilizar, afirmou que dormiria no
carro, não fora convidado para a festa do Buriti. Dessa vez não cedi. Deixei-o
no carro e fui para minha cama. A festa rolou a noite inteira. Parente radiante
de felicidade, os cunhados-irmãos estavam com ele. Isto bastava. E foi assim
aquele Ano Novo do qual lembro-me dos fatos, dos números, não. Por esta razão
não posso informar em que ano aconteceu. Mas que aconteceu, aconteceu. Quem tem
memória, lembrará.
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