24.b. Fire
... e o retalhinho cor de fogo juntou-se aos Landim Luna. |
Mamãe parira . Na tarde daquele dia conversávamos em nossa casa quando entrou um cãozinho de pelo curto amarelo-avermelhado. Olhamo-nos sem entender de onde surgira. O animalzinho parecia nos conhecer a todos. Foi nos cheirando, um a um, depois passeou pela cozinha, deu voltas pelo quintal e pôs-se bem à vontade, deitando-se aos nossos pés. Quem seria aquele cachorrinho lindo? Não tínhamos a menor ideia. Esperamos que seu dono o procurasse. Tal não se deu.
Margaridinha,
que o acompanhava em seus volteios, perguntou-me:
- Madida, a
gente pode ficar com este cachorrinho? Parece que o mandaram para nós.
- Podemos,
Margaridinha. Sabemos que ele entrou em nossa casa e nos adotou. Se o dono o
procurar, o devolveremos. Por isso, muita calma. Nada de pensar que esta
belezinha é nossa.
- Podemos
brincar com ele?
- Creio que
podem. Não sabemos se o bichinho é vacinado. Tenham muito cuidado. E nada de pô-lo
para dormir com vocês, em suas camas. Vejam se arrumam uma caminha para ele.
O dono não
apareceu. As crianças batizaram-no como nome da cor do seu pelo: fogo, Fire, e
passou a ser membro de nossa família. Era um bichinho especial. Logo nos conquistou
a todos. Por ser pequeno, não passaríamos pelas agruras sofridas com nosso
Rex, de quem fomos forçados a nos desfazer porque “poderia atacar” nossos
primos vizinhos.
O tempo foi
passando. Já sabíamos que nos mudaríamos para cidade de Crato. Papai perdera
nossa casa de morada. Ao anoitecer, daquele dia, parou um caminhão truncado à
nossa porta. O motorista, dono do caminhão, desceu do mesmo e dirigiu-se à
nossa porta. Não chegou a bater palmas porque um de nós estava por ali o
perguntou o que desejava com as pessoas
daquela casa .
- Sou o dono
deste caminhão. Sou Paraibano. Há mais ou menos dois anos, numa viagem que fiz
aqui ao Cariri, o cãozinho basset de meu menino, sem que víssemos, misturou-se
à carga e desde então não o vimos mais. Meu filhinho não se conforma com a
perda do Bob. Então, hoje, faço o mesmo percurso daquele dia. Paro meu caminhão
justamente no lugar aonde parei anteriormente, e busco pelo Bob. Eu preciso
conversar com os moradores dessa casa para lhes perguntar se viram o
cachorrinho que procuro.
E agora,
pensei, o que fazer? Nosso Fire é o Bob que ele procura. Como ficará a turminha
sem seu cãozinho? Emudecida, sinalizei para Tiquinha e esta, qual bala, correu a escondeu-se com as três meninas e o Fire no quarto do engomado, bem no fundo de
nosso quintal. Pediu-lhes que se mantivessem silenciosas e sem medo. “Madida
está negociando com o dono do caminhão e não permitirá que Fire saia de junto
de vocês”
-Senhor,
não temos nenhum Bob aqui em nossa casa.
-
Certamente. Mas podem ter um basset com outro nome.
Iolanda,
filha de tia Rosinha, que estava no terraço de sua casa, percebendo que algo de
anormal acontecia, veio em meu socorro.
- Boa noite,
posso saber o que está acontecendo por aqui?
- Senhora ou
senhorita?
- Senhorita.
- Pois bem,
senhorita, eu sou o proprietário desse caminhão e procuro um cão basset que me
fugiu acerca de dois anos.
- Dois anos?
Somente após dois anos o senhor veio procurar seu cão e justamente aqui nesta
casa que pranteia a perda da dona? Por que o senhor acha que seu cão está aqui?
- Não acho.
Tenho certeza. Pedi informações e disseram-me
que as crianças desta casa possuem um cãozinho Basset e que o mesmo não foi
comprado por elas mas que, de repente, numa tarde, apareceu em sua casa. Só pode ser o Bob.
As evidencias apontam que é meu, o cachorrinho que escondem nesta casa.
- Alto lá
moço. Nunca escondemos nada. Este cachorrinho é nosso por direito. Ele veio
para nós com suas próprias patas. O senhor teve um Bob, Nós temos um Fire. O
senhor o conheceu por cerca de um ano. Nós convivemos com nosso Fire por mais
de dois anos. O senhor jamais o levará consigo.
- Prima. Não
se exalte. Não há necessidade disso. Chamemos nosso tio, o delegado de
Barbalha, tio Odílio, e deixemos que ele resolva esta desagradável história.
- O delegado
da cidade é tio de vocês?
- É sim,
moço. Mas não quero metê-lo nesta história. Ele fica furioso quando mexem
conosco. Papai acha melhor que resolvamos nossas pendência, sem dependermos
dele.
- Então
mocinha, entregue-me meu Bob, e partirei imediatamente.
- Já
expliquei para o senhor que aqui não temos nenhum Bob.
- Moço, olhe
um pouco à sua direita. Está vendo aquela rua, uma continuação da nossa? Pois
bem, em cada casa dela, chamada rua das Pedras, mora uma compadre ou comadre da
minha tia que faleceu. Se algum morador sonhar que o senhor está mexendo com
uma das pessoas desta casa, o senhor não sairá vivo daqui. O senhor corre um
risco enorme parado aqui em frente e reclamando por seu Bob, um cachorro
desaparecido há dois anos. O senhor vê aquele moço que vem caminhando para se juntar a nós? É o Lael. Ele vem informar-se
do que está acontecendo. Quando souber o
que o senhor veio fazer, correrá e contará ao mundo inteiro, que o senhor é um
malvado que veio tirar a paz dos filhos da tia Iaci. Aí o senhor vai ter que se
virar bem.
- Vamos
fazer um acordo, mocinha?
- Podemos
tentar, senhor. Faça sua proposta.
- Pois bem,
a mocinha me dá dinheiro suficiente para eu comprar um filhote em Juazeiro ou em Crato, e eu me esqueço do Bob.
- Faço uma
proposta melhor, moço. O senhor deixa minha prima e meus primos em paz, pega
seu caminhão e some daqui agorinha mesmo. Tudo ficará em bem. Se não aceitar
minha proposta, diremos ao Lael o que está acontecendo, e o povo da rua das
Pedras, num piscar de olho, acaba com seu caminhão e sua carga. Aí veremos o
que merece um homem que não veio procurar seu cão, mas somente arrancar
dinheiro de uma família enlutada.
- Boa Noite!
Posso saber o que está acontecendo por aqui? Alguma das meninas da dona Iaci
está doente?
Boa noite Lael. As meninas estão muito bem, é
que este senhor...
- É que este
senhor, dono deste caminhão, achou esta casa muito bonita e parou para
apreciá-la melhor. Mas já está de saída. Boa Noite para todos.
Entrou no
caminhão e partiu para nunca mais voltar. Lael, ao inteirar-se da história,
afirmou que jamais Fire seria levado por ele. Correu a contar a novidade:
“somente com minha presença, espantei um caminhoneiro safado” .
Acalmada, a
família , após o jantar, permaneceu na copa comentando os acontecimentos
daquele aflitivo dia. O sentimento de gratidão pela solidariedade das pessoas,
varria para longe o medo e a insegurança. Uma certeza havia em nossos corações:
as sementes semeadas por nossos pais davam saborosos frutos. O amor das pessoas
da rua da Pedra nos envolvia e deixava nossos corações aquietados. Não havia em
nós nenhum sentimento de dívida ou de dúvida. Ao deixar escapar que procurava o
cão Bob, por não suportar perdas materiais, o dono do caminhão nos libertara de
qualquer dívida
Fire passara a ser nosso por direito e por justiça.
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