3. Os Landim Luna e a primeira filha
Seleciono da colcha Landim Luna, retalhos para vocês.
Eu, Aide, a segunda Landim Luna, conheci Jesus e Maria Iaci tão logo me dei conta da vida. Orgulhava-me muito deles, especialmente de meu pai. Entre nós sempre houve algo que transcende o entendimento, ao amor entre pai e filha. Foi meu confidente, meu amigo, meu guia. Tiranizou-me muitas vezes. Admirou-se e orgulhou-se de mim, vezes sem conta. Entendiamo-nos sem palavras, pelos olhares e gestos. Brigamos inúmeras vezes. Em todas, ele se rendeu. Envergonhei-me dele e o disse. Ele engolindo os desaforos, ria-se para não chorar. Dele sinto uma saudade imensa. Dele herdei muitas coisas, entre elas, o zelo pelas pessoas que me são caras.
Com relação a minha mãe, eu a respeitava,
temia e a admirava. Não havia nenhuma cumplicidade entre nós. Por antever
fatos, ela me preparou muito bem, para receber seu legado: os filhos.
Desde cedo, aos meus cinco anos, ela me
enviava á Juazeiro com uma lista de compras a ser entregue a titia Nair e uma
bolsinha com dinheiro. Aos dez, me entregou uma lista bem comprida. A mim, me
cabia escolher e comprar tecidos para as roupas dos meninos Aécio e Aristênio, meus irmãos, vestidos
para minha irmã Aride e para mim, bem
como para os das moças que trabalhavam em nossa casa. Disse-me, na ocasião,
dedo em riste, “nada de trazer amostras de tecidos. Compre o que você achar
conveniente. Seja cuidadosa. É para vestirem na festa de Santo Antônio. Nada de
extravagâncias, nada de miséria, de poupar tostões.” E lá estava eu nas lojas de tecido: Casa
Nova Aurora, e Casa Sampaio; nos lugares de venda de aviamentos, buscando cumprir
a missão a mim outorgada.
Na Casa Nova Aurora, os balconistas me
recebiam encantados e perguntavam-se: “Como pode esta menina escolher e comprar tecidos para vestir a casa de dona Iaci?” Lembro-me de Edeltro convidando-me a passar para o lado de dentro do
balcão, e oferecendo-me um banquinho
para que eu pudesse, de pé sobre o mesmo, passar minhas mãos sobre os tecidos e
escolher aqueles que mais se me afigurassem próprios a seu fim.
Nunca comprei nada que não agradasse a minha mãe. Ela, astutamente, me ensinava a ter olhos de ver. A aprender, tocando, avaliar a qualidade do tecido.
Uma semana antes de sua partida para a eternidade, nos encontramos. Ela fragilizada encontrou em mim, mocinha de dezessete anos, o ombro amigo, a confidente, a filha amada. Papai aprontara-lhe uma grande e vergonhosa traição. Eu não sabia. Ela também não ma contou. Pediu-me apenas que, naquele domingo, não regressasse à Crato, como pretendia. Respondi-lhe que não podia retardar minha volta. Havia trabalhos e provas esperando-me. Indagou-me: “ E se eu fizer uma cartinha relatando que você teve que faltar as aulas por motivo de saúde?” Expliquei-lhe que nem mesmo assim. Eu me responsabilizara por apresentar um trabalho realizado em grupo. Não tinha como me comunicar com as colegas. Ela aquiesceu. Fez-me prometer que no próximo fim de semana, estaria com ela. Estranhando seu comportamento, perguntei-lhe se estava com algum problema. Afirmou-me que estava bem. Queria apenas conversar algumas coisas comigo. Retornei á Crato. Aquele foi nosso primeiro e último encontro. Reencontrei-a adormecida. Dormia o sono eterno.
Nunca comprei nada que não agradasse a minha mãe. Ela, astutamente, me ensinava a ter olhos de ver. A aprender, tocando, avaliar a qualidade do tecido.
Uma semana antes de sua partida para a eternidade, nos encontramos. Ela fragilizada encontrou em mim, mocinha de dezessete anos, o ombro amigo, a confidente, a filha amada. Papai aprontara-lhe uma grande e vergonhosa traição. Eu não sabia. Ela também não ma contou. Pediu-me apenas que, naquele domingo, não regressasse à Crato, como pretendia. Respondi-lhe que não podia retardar minha volta. Havia trabalhos e provas esperando-me. Indagou-me: “ E se eu fizer uma cartinha relatando que você teve que faltar as aulas por motivo de saúde?” Expliquei-lhe que nem mesmo assim. Eu me responsabilizara por apresentar um trabalho realizado em grupo. Não tinha como me comunicar com as colegas. Ela aquiesceu. Fez-me prometer que no próximo fim de semana, estaria com ela. Estranhando seu comportamento, perguntei-lhe se estava com algum problema. Afirmou-me que estava bem. Queria apenas conversar algumas coisas comigo. Retornei á Crato. Aquele foi nosso primeiro e último encontro. Reencontrei-a adormecida. Dormia o sono eterno.
Por que eu e ela não nos entendíamos? A
pergunta foi respondida muitos anos depois. Através de várias orações de cura
interior, encontrei-me com a causa: rejeição. Eu fora rejeitada por ela, em seu útero. Perguntei a tia Silvinha se acompanhara mamãe ao me dar á luz. Respondeu-me
que sim. Disse-me que travara com a mesma uma imensa luta. Com dores de parto,
recusava-se a parir. Segurando-se em um dos armadores de seu quarto, tudo fazia para
que eu não nascesse. E quando nasci, ao lhe ser apresentada, virou o rosto. Não
me olhou. Hoje diriam: “depressão pós-parto.” Eu a compreendi. Casara-se aos 30
de novembro de 1935. Aécio, o filho do seu amor, o esperado, nasceu aos 29 de
novembro de 1936. Um ano completo, fechado, lindo. Então, poucos meses depois,
engravidou. Uma lástima. Como não amamentar o filho amado? Quem se atrevera a
lhe tirar do mundo encantado aonde vivia? Eu, a menina intrometida, eu, a
menina não programada, não esperada. O casal mal se curtira. A família: pai,
mãe e filho completada. Agora não. Não é hora. Não quero. Mas eu teimei. Deus
me sustentou com Suas Mãos, e eu cheguei para ficar. Parece uma história
triste. Não é. É uma história de combates, de vitórias. O Pai preparava-me para
trabalhar com Seu povo sofrido, oprimido, incompreendido. E somente quem sofre,
sabe o que é a dor, o desconsolo, o desencanto de sentir-se um alguém “a mais”,
deslocado, rejeitado.
Aide, janeiro/1939- Barbalha-Ce
Mamãe fazia tudo para disfarçar aquela falta do primeiro contato, do primeiro olhar, do sentir o cheiro, tão indispensável a uma relação aberta, feliz, plena, entre filha e mãe. Aos demais filhos desculpava. Arranjava um meio para minimizar-lhes as faltas, as fragilidades. Com relação a mim, não. Nada de fraquezas. Muitas exigências.
Nunca me cobrou, sem
haver me proporcionado meios maravilhosos de crescimento. Sua filha tinha de tudo. Do bom e do melhor.
Professores particulares, livros, revistas, jogos, tudo... Por que não cobrar?
Errou? Creio que não. Ela nunca se deu conta.
Antenada, percebera que com aquela menina, nada de moleza. Só dureza. Só
cobranças. E agradeço-lhe por isso.
Agradeço-lhe por haver me forjado tão
maravilhosamente. Que Deus a tenha. A Deus, através dela, agradeço pelas
cobranças, pelas exigências. Ela percebera em mim, aquilo que um dia eu seria:
uma pessoa buscando em Deus, pelos Carismas, no Paráclito, o Consolador, aliviar
os sofrimentos e as dores dos irmãos e irmãs encontrados pelo caminho.
Quando, após oração e aconselhamento, vejo alguém que antes chorara, tentara contra a própria vida, dançar, cantar, proclamar as Maravilhas de Deus em sua vida, percebo a presença indispensável de minha sábia mãe exigindo-me compromisso, ação, lealdade, bondade, despojamento. Como não exultar de alegria? Como não celebrar com minha vida, as vidas resgatadas?
Aide, janeiro/1939- Barbalha-Ce
Mamãe fazia tudo para disfarçar aquela falta do primeiro contato, do primeiro olhar, do sentir o cheiro, tão indispensável a uma relação aberta, feliz, plena, entre filha e mãe. Aos demais filhos desculpava. Arranjava um meio para minimizar-lhes as faltas, as fragilidades. Com relação a mim, não. Nada de fraquezas. Muitas exigências.
Aide, 1944 |
Aide,1946, Barbalha-Ce. |
Aide,1945-Barbalha-Ce |
Quando, após oração e aconselhamento, vejo alguém que antes chorara, tentara contra a própria vida, dançar, cantar, proclamar as Maravilhas de Deus em sua vida, percebo a presença indispensável de minha sábia mãe exigindo-me compromisso, ação, lealdade, bondade, despojamento. Como não exultar de alegria? Como não celebrar com minha vida, as vidas resgatadas?
Antes |
Depois |
E foi assim que eu vivi com ela. Papai
percebendo o clima trouxe-me a si. Foi maravilhoso. Que pai eu tive! Quando
vinha, menina moça, de Crato onde cursava o Normal e Contabilidade, à Barbalha nos
fins de semana, encomendava um jantar a dois: eu e ele. Saiamos de braços
entrelaçados. Ele alegre, eu feliz. Ele expectante, eu pronta a lhe fornecer
informações. Não me interrogava. Falava-me sobre a vida. Punha-me a par dos
acontecimentos mundiais. Sabia que eu sentia falta daquelas conversas.
Prodigamente me punha a par de tudo. Olhava-me com muito amor e esperava. A
“torneira” abria-se. Meu coração derramava-se no coração daquele pai atento,
amigo, galante... daquele pai que orgulhosamente, carregava na carteira bem
junto do seu coração, meu boletim escolar, onde os dez se repetiam.
Aide no laguinho do Colégio Santo Antônio- Barbalha |
Aide na praça Padre Cícero, Juazeiro do Norte- Ce. |
Aide L. Luna/ 1957 - Barbalha-Ceará Aide Landim Luna |
Nossa mesa, sempre bem forrada com toalha
impecável, era respeitada. Ouvia seus amigos comentando: “É mania de Jesus sair
com sua menina. Estão ali parecendo namorados.” Ou “Cuidado! A menina de Jesus
está jantando com ele. Nada de piadas. Se ela ouvir algo que a aborreça, ele
nunca mais falará conosco. Perderemos um precioso amigo.”
E mamãe, como via o fluir dessa amizade? Com
alegria. Esperava-nos. Papai contava-lhe tudo acerca do encontro. Ele ria
alegremente da estranheza dos amigos e acrescentava orgulhoso: “Coitados. Não
têm uma filha tão bonita, tão boa quanto nós.” Ela então, quase sempre me perguntava se ainda me
sentia bem morando em Crato, na casa de tia Zefinha. Tia Zefinha! Minha tia nunca
permitiu que eu me sentisse estranha em sua casa. Abriu-me o coração e me
acolheu por inteira, dentro dele.
E por que estou escrevendo sobre isso?
Simplesmente porque sinto saudades. Porque há alguns dias atrás recebi
novamente, plenamente, o AMOR DE DEUS, através do RES, Repouso no Espírito Santo, ministrado pelo santo missionário de Deus, padre Antonello Cadeddu, um dos fundadores da Comunidade
Aliança de Misericórdia.
Durante o mesmo, além de amorisar-me, o Santo Espírito levou-me à
morte de minha mãe. Eu ficara enraivecida. Mamãe, muito organizada, todas as
noites, findo seu trabalho, antes de dormir, passava uma vassoura por toda a
casa. Arrumava tudo cuidadosamente.
“Nunca se sabe o que pode acontecer à noite. Tenhamos cuidado. Arrumemos
nossa casa.” No dia em que adormeceu definitivamente neste mundo para
acordar na eternidade, preparava a casa para a chegada do bebê gestado em seu
ventre há oito meses. A casa totalmente desorganizada. Escadas, tintas, areia,
cal, poeira... Ao perceber a cena, chamei meus irmãos e com as ajudantes de
nossa casa começamos a varrer as sujeiras. Escadas retiradas. Os pintores
estarrecidos. "Terá ela enlouquecido?" Buscaram meu pai. Ele lhes respondeu: “Ela
agora é a dona. Façam tudo o que ela mandar.” As moças de nossa casa choravam,
e exclamavam: "que doidice!" Engano. Eu queria honrá-la. Queria arrumar a casa que
desmoronara, para ver se assim, ela voltava. O povo de Barbalha estranhou
aquele gesto. Nunca me incomodei com isso. Queria, ó como queria, que o mundo girasse para
trás. Queria voltar àquela noitinha em que nós duas nos encontramos. Uma só
vez, mas tão forte, tão nosso, que nem o tempo, nem a morte, o diluiu.
Aide e Padre Antonello |
MEUS PRIMEIROS AMORES
1- Cabecinha de Arroz , Vovô Landim
Pai Landim, vovô Landim
(José Batista Landim), sem sombra de dúvidas, foi
o primeiro e maior amor da minha infância. Eu sua neta querida, a menina
sonhada por ele...Neném Landim (Bárbara Maciel Landim), minha avó, percebendo o
quanto meu avô procurava realizar todos os meus desejos brincando comigo como
se fosse uma criança, justificava o comportamento do marido afirmando que ele
amara muitíssimo a primeira filha, ELCÍDIA, e a perdera quando a mesma casara-se com Cesídio Arraes. Depois transferiu o amor para mamãe. Agora ele podia dar-se ao luxo de brincar com a filha da filha amada e mimá-la muito. Eu ouvia
aqueles comentários sem me importar ou perturbar. Eram conversas sem
importância. Meu CABECINHA DE ARROZ, este sim, este me importava muito. Era meu
tesouro.
José Batista Landim/ 1942, Juazeiro-Ce. |
Fato inédito naquela família: seu Landim sair a passear com
uma menininha de 4 ou 5 anos para ter o prazer de vê-la metendo as mão nos
bolsos do seu paletó, sempre branco, certa de neles encontrar seus bombons
preferidos. Comprar-lhe sorvetes, picolés e pirulitos. Pô-la para dormir...
Se não fosse a bronca de seu Jesus Luna, eu teria sido
criada por meus avós maternos. Papai obrigou minha mãe a me pegar à força,
tirando-me dos braços de meu avô e levar-me de volta para nossa casa em
Barbalha.
Papai esperava-me cheio de presentes. Mas, durante
muito tempo, senti-me deslocada em minha própria casa.
Como meu pai percebera que se eu voltasse a Juazeiro, seria
traumático, tanto para mim quanto para mamãe e muito mais para vovô, pediu a
mamãe para não mais me levar até lá. Assim, a última lembrança que guardo de
Pai Landim, é seu olhar magoado pela perda da companhia da neta. Faleceu em
1943 de ataque cardíaco, mais ou menos, uns três meses após mamãe ter me tirado
dele.
2- Crica e titia,Vicente Leite e Nair Maciel
Landim
Lembro-me que ainda pequena, 5 a 7 anos mais ou menos,
mamãe escrevia um bilhete para titia e uma lista de compras (tecidos e
aviamentos) a serem adquiridas em Juazeiro. Colocava o dinheiro e tudo o mais
numa bolsinha informava-me que naquele dia eu iria a Juazeiro. Esperava comigo
“a sopa”, um veículo feito bonde, mas com pneus e movido à gasolina, que tinha
como motorista o Crica (Vicente Leite).
Vicente Leite (Crica) 1942/ Juzeiro- Ce. |
A sopa parava no terreno baldio ao lado da nossa casa. Mamãe
"entregava-me” aos cuidados do Crica. Ele ria, colocava um banquinho
baixo a seu lado, e lá íamos nós como se não houvesse mais ninguém naquela
sopa. Ao chegar à Juazeiro, após a saída dos passageiros, na praça Padre
Cícero, pegava-me pela mão ou me carregava no colo e me deixava na esquina do
quarteirão (naquele tempo o último da rua São Pedro, perto da Igreja Matriz).
Permanecia de pé,sem se mover, esperando que eu entrasse na casa de meus avós.
Penso que nesse meu ir e vir a Juazeiro, titia e Vicente
enamoraram-se. Ele durante toda sua vida afirmou para os filhos, ser eu sua
filha mais velha, a
negona, e que nenhum deles pensasse em tomar meu lugar, “ela é a
primeira", afirmava sempre.
“
Quando, no amor se travam batalhas, desperta fica a alma para os embates da
vida. E, sabendo ser toda batalha dolorosa, não a considera, mesmo assim, por
antecipação, perdida. Só para amar o amor se antecipa. Com grandeza e
sobriedade, às indagações de quem ama ele confere sentido”.
“Os
que amam renascem. E mesmo os que, por amor, perecem, deixaram atrás de si
um traço. Uma presença, que mesmo em sua ausência, tempo algum pode apagar”
Padre
Airton Freire – Am(ai)
Que começo impressionante vó! Estou louca para ler suas próximas publicações!
ResponderExcluirEstou feliz. Meu objetivo, tudo indica, será atingido: os descendentes dos Landim Luna conhecerão a história de seus antepassados.
ExcluirEntão você terá a resposta que me fez ontem:" eu sou da família Landim?
Fico grata por vc ter lido o que postei.