domingo, 10 de fevereiro de 2013

24- MÃE ANGINHA E O FILHO CAÇULA.




        24. Mãe Anginha e Jesus Luna.




"Quem honra sua mãe é semelhante  a quem acumula um tesouro"
                                                                               



Papai, em suas conversas comigo, sempre me dizia que nunca desobedecera a sua mãe. Não acreditava nessa sua afirmação.

-Será?

-Será é prima-irmã de seria, uma agonia, do diabo moradia. Desconfiança. Olhar sem bonança. É pensamento maldoso, tinhoso, ardiloso. Corre logo pressurosa e de tua avó arranca esta verdade, para ti tão preciosa. Por que esperas ainda,  malcriada menina?



Jesus Luna/ 1935, Barbalha-Ceará

Mesmo por meu pai instigada, vacilei. A minha avó nada perguntei. Como ousaria eu, a filha do filho amado, dizer-lhe que duvidara da palavra de meu pai? Magoá-la, jamais. Decisão tomada, esperei. O tempo, pensei, encarregar-se-á de a verdade me revelar. É bom saber esperar sem reclamações ou cobranças. Dizem que “quem espera sempre alcança.” Eu, mesmo não merecendo, alcancei-a.



Aide. Barbalha , julho de 1958



- E como aconteceu?

Mamãe já partira ha algum tempo. Nossa família vivia seu dia- a-dia, em harmonia, amparada pela mão protetora do Pai do Céu. Eu, professora, lecionando no Curso Ginasial do Colégio Santo Antônio, enamorada de Francisco Parente, toda contente, contava os dias que faltavam para nos encontrarmos numa grande festa planejada pelo povo do Cariri a realizar-se em Cajazeiras do Farias.  Em todo lugar que se ia, somente um assunto se ouvia: A Festa de Cajazeiras do Farias .
Arajara, antiga Cajazeiras do Farias



Cajazeiras do Farias, hoje Arajara.
                                                                               
ARAJARA, antiga Cajazeiras do Farias, um dos distritos de Barbalha.

Consegui Junto a minha avó materna, Bárbara Maciel Landim, mãe Neném, um lindo vestido bordado, feito "no capricho" como somente dona Neném sabia fazer.




Em nossa casa todos nós conversávamos a toda hora sobre a bela festa da qual, eu e meu amado, participaríamos. Ele, economias forçadas realizando, adquirira passagem aérea. O avião pousaria em Crato, no início da tarde do sábado, dia da badalada festa, no campo situado na Chapada do Araripe. Minhas irmãs, Aline, Marta e Margarida não gostaram da notícia. Acostumaram-se a esperar o amigo, nas proximidades da farmácia de seu Alfredo Correia, lugar em que  ônibus procedentes de Recife estacionavam  para que os passageiros deles descessem. Ali recebiam os abraços e beijos do pretenso cunhado, encantado pelo "comitê de recepção". As três perguntavam-me, ansiosas, se realmente, no telegrama que enviara, Chico avisara que chegaria à tempo de a bela festa curtir comigo.
                                                 
Francisco Ribeiro Parente(Chico) 1957


-Madida, Chico disse no telegrama quando é que ele chega aqui em Barbalha?

- Avisou, Margaridinha. Ele chegará no sábado no início da tarde.

- No dia da festa, Madida? E se o avião não chegar?

- Ora , Margaridinha ele pousará no campo de aviação em Crato. Não há erros, eu te garanto. Estas inquieta. Diz-me, Margaridinha, o porquê de tanta aflição que sinto em teu coração?

- Sabes muito bem que não confio em avião. Há sempre aquela história de que o piloto não viu a pista e não pode pousar o avião. Vai que não dê pra pousar, o que Chico fará para estar aqui contigo?
                                                          



Eu  quero tanto  te ver toda bonita naquele vestido lindo que a vovó te deu. E se Chico não chegar tu não irás à festa. Vais ficar triste. E não te verei vestida no teu lindo vestido.
Aline, Martinha e Margaridinha


- Podes ficar sossegada. Tudo dará certo. Ver-me-as bem bonita.Mas sem teu laço de fita. Guardei-o  com cuidado e, logo que retorne da festa, iremos todas à Juazeiro contar a Mãe Neném nossa alegria  pela chegada de Francisco, meu Chico, seu amigo. Sairei aqui de casa com o laço que me destes em meus cabelos. Agora sossega, irmãzinha, prometo-te que tudo sairá tal qual planejamos.

- Se me prometes, eu acredito.

Chegou o grande dia. Pelas treze horas  daquele bendito  sábado, meu namorado chegou. Minha irmãs o viram e o abraçaram. Correram a me anunciar, alegres, a boa notícia. Papai ouviu os comentários que faziam. Nada falou. Saiu de nossa casa e depois, a ela retornou. Sentou-se numa das cadeiras da sala da cristaleira e perguntou à Martinha o porquê de tanto barulho, de tanta alegria.

- Ora papai, Chico Parente chegou. Ele veio, como prometeu, para a festa. Ida vai ficar toda bonita de vestido novo.  Vai ser uma festa linda.

- Festa? Que festa é essa a que tua irmã pensa que vai?

- Ora papai, a festa lá da Cajazeiras do Farias. A festa que a Ida vai dançar com Chico Parente. Ele já chegou e de avião. Ele veio como prometeu no telegrama que mandou para ela.

- Quem te disse que tua irmã irá à festa?

- Todo mundo sabe que ela irá à festa, papai.

- Todo mundo é muita gente. Eu sou o pai dela e ela não me pediu permissão para ir a tal festa. Ela não irá. Corre, diz isto a ela.

Horrorizada, Martinha procurou Margaridinha e contou-lhe a conversa.

- Papai, é verdade que o senhor vai impedir que Madida vá à festa com Chico Parente? Ela não vai vestir o vestido lindo que vovó deu a ela?

- Tua avó se meteu aonde não devia se meter. E nem existe mais Cajazeiras do Farias. Acabou-se. Agora lá está uma tal de Arajara. Então, nem que  eu permitisse à Cajazeiras do Farias, tua irmã jamais iria. Cajazeiras acabou-se.Virou fantasma.  Mas apressa-te chama tua Madida. Quero  com ela falar.

- O senhor quer falar comigo, papai?

- Quero sim. Que história e essa? Vais a uma festa em Cajazeiras?

- O senhor sabe papai. Diariamente comentamos este assunto com o senhor, na hora do almoço.

- Comentar é uma coisa. Participar da festa é outra bem diferente. Nunca me pediste autorização para ires a esta festa besta.  Pensas que podes fazer o que quiseres? Pensas? Pois estás errada. Aqui nesta casa eu sou o pai e o dono. Ninguém planeja nada sem antes pedir meu consentimento. Podes chorar, gritar, implorar. Não irás. E tem mais, não quero ouvir mais ninguém aqui, nesta casa, falando dessa maldita festa.

Corri à casa da tia Silvinha onde meu namorado estava. Doeu-me o coração ao ver a tristeza estampada em seu rosto. Ele não podia acreditar que  não dançaríamos naquela esperada noite. Tia Silvinha ao tomar conhecimento  da decisão do meu papai ficou consternada. “ Como pode alguém ser tão rude? Como  pôde  fazer isso com a pessoa que mais o considera e o ajuda?”

- Dona Silvinha, vá falar com seu Jesus. Á senhora,ele nunca diz um não. Vá por favor, talvez  ele atenda  à senhora e Aide possa ir à festa.

-Irei sim, Francisco. Vou falar com aquele louco. Ontem mesmo conversamos e  disse-lhe quanto me sinto feliz vendo a ti e a Aide enamorados. Ele mostrou-se alegre e feliz pela escolha da filha. Agora empaca feito um burro?

A tia falou, tentou convencer meu pai de seu erro. Intransigente, não cedeu:
- Se ela tivesse me pedido, talvez eu tivesse concordado. Ela comentou, comentou, fez vestido novo e não me pediu permissão. Ela pensa que esta é uma casa de NOCA? Pois bem, ela não irá a esta festa. Pode o mundo acabar, ela não irá. Palavra de Jesus Luna.

Didi Neri, noivo de Wilma minha prima, com quem eu planejara ir à festa, veio falar com papai. Ele continuou com sua intransigência.

- Seu Jesus, o senhor não sente pena de Chico Parente ter vindo de Recife para participar deste baile com a Aide?  Pense melhor, seu Jesus. Todas as pessoas da família falaram com o senhor sobre este baile, e o senhor nunca se mostrou contra o mesmo. Por que o senhor mudou de opinião e agora não permite que sua filha vá conosco à festa?

- Não insista, rapaz. A culpa é dela mesma. Sim, todos me falaram, inclusive ela. Mas minha filha não me pediu para ir ao baile. Sou CARNEIRO PRETO, rapaz, não perca seu tempo. Ela não irá à Cajazeira esta noite.

Fui novamente à casa de tia Silvinha e Francisco Parente estava ansioso, triste. Entretanto, ao sentir meu sofrendo por vê-lo magoado, tentou consolar-me:

- Teu pai é assim mesmo. Ele acha que não o consultaste antes. Eu até o entendo. Mas não posso ficar esta noite aqui em Barbalha. Meu pai e meus irmãos esperam-me em Cajazeiras. Amanhã, te prometo, estarei aqui. Não fiques assim tão triste. Iremos amanhã á casa de tua avó Neném, lá falaremos melhor sobre o ocorrido hoje.

Didi Neri esperou que meu pai mudasse de opinião e me permitisse ir ao baile. Conhecendo-o, fui para meu quarto com as três meninas. Não chorei. Elas ficariam aflitas. Contei-lhe a história da qual mais gostavam: o macaco e o boneco de cera. Quando iniciava outra, tia Silvinha entrou apressada em nosso  quarto e disse-me:

- Apressa-te. Vais à festa.Teu pai permitiu.

- Agora, minha tia, é tarde. Todos já saíram. Não há meios de chegar á Cajazeiras. Todos já partiram com seus carros. Não te inquietes, tia minha. Amanhã, teu amigo e meu namorado, virá e nos entenderemos. Ele sabia que seria difícil nosso namoro. Papai é imprevisível.

- Imprevisível mas obediente, minha filha. Levanta-te desta cama prepara-te. Irás a esta festa nem que eu tenha de te levar de caminhão. Minha mãe disse-me que eu estava errado e que  tens que estar no baile esta noite. Eu já te afirmei vezes mil:  nunca desobedeci á minha mãe e esta não  será a primeira vez. Vamos lá mocinha, levanta-te.  Minha mãe está  em nossa sala  esperando por ti.


Ângela de Luna Alencar, mãe de
Jesus Luna, minha avó.

E lá estava mãe Anginha de pé. Ao vê-la chorei. Ao abraçar-me, disse:
- Minha neta, desculpa teu pai. Ele foi muito duro e injusto contigo. Felizmente Silvinha lembrou-se de me avisar o que estava ocorrendo por aqui.

- Obrigada, mãe Anginha. A senhora é um anjo. Mas não há meios de  ir à Cajazeiras a esta hora.. Não há mais carros. Mesmo assim fico feliz pela força que a senhora me dá.  Por ter saído de sua casa á noite para  ajudar-me. Obrigada, minha avó.

- Não há carros? Há sim. O noivo da Wilma, inconformado com a tua ausência, ao chegar as Cabeceiras, deu meia volta em seu carro, pegou Silvinha e com ela foi à minha casa relatar o acontecido. Está aí fora a tua espera. E queres saber de uma coisa, junta tua roupa e fica por lá o tempo que quiseres. Teu pai acha muito bom saber que cuidas de tudo. Agora, ele que cuide sozinho. E diga ao filho de seu Severino, a Francisco,  teu namorado, que faço muito gosto nesse namoro

Papai escutou tudo o que ela me dizia. Minhas irmãzinhas correram a me ajudar dobrando vestidos, arrumando a mala. Didi Neri, “o salvador da pátria”,  apressado, indignado com a atitude de meu pai, tempo algum me deu para que  me vestisse apropriadamente.

- Pega tudo o que precisas para hoje. Vamos logo. Em Cajazeiras vestiras teu vestido e ficaras mais bonita do que já es normalmente. Eu estou com uma pena danada do Chico Parente. O pobre saiu daqui parecendo um morto. Vamos moça, apressa-te. Amanhã levarei o resto de tuas roupas. Seu Jesus, o senhor é mesmo um filho obediente. Pena que eu não conhecesse esta qualidade do senhor. Eu teria falado cedo com dona Anginha e muito sofrimento teria sido evitado.

No caminho, pedi a Didi Neri que nada dissesse quando  com Francisco Parente, encontrasse. Eu queria fazer-lhe uma surpresa.

Já em Cajazeiras, vesti-me sem pressa. A tristeza varrida pela alegria, nenhum rastro deixara em mim. Nem mesmo a “cabeça dura de meu pai, eu lamentava. Caprichei nos adereços, no pó no rouge (não havia bluche). A alegria pelo encontro acelerava-me o coração. O baile começara. Ouvia os boleros dolentes, os blues e jazz e me perguntava: “que é do meu namorado? Como estaria após toda aquela agonia?

Francisco , meu Chico, adotara para aquela noite a irmã solidão.  Sentado sozinho, na praça em frente à Capela da Conceição, curtia suas mágoas. A tristeza engolira  a alegria personificada, Chico Parente.




Avistei-o de longe e aproximei-me sorrateiramente. Por trás do banco tapei-lhe os olhos. Ele não fez nenhum movimento. Encostei minha cabeça na sua. Sentindo meu cheiro, gritou meu nome. Abraçamo-nos. Ali no banco agarrados um no outro, choramos todas as lágrimas daquele dia, retidas. Consolados, achamos por bem dançar na praça e foi o que fizemos. Muito tempo depois Didi Neri com Wilma, a nós se juntaram. Foi um baile inesquecível aquele que tivemos.











Chico e Aide 1958
                                          
Sítio Saco. Na rede > Aleuta, Aide, Estela Maria.
Mãe Nenem, avó de Chico(mãe de dona Isaura)  e Lindete.




Atajara no século XXI. A pracinha reformada, a capela pintada de amarelo
ruas pavimentadas.















                                                                                                              
Abençoados por minhas duas avós e amigas de Francisco Parente, Chico.
> Bárbara Maciel Landim, mãe Neném e Ângela de Luna Alencar, mãe Anginha


       

                

          As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drummond de Andrade





Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

                           Luís de Camões


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