13. Carlos Aécio e as notas escolares
... e sentando-se no chão, costurou um novo retalho naquele recebido. Oba! Circo à vista!!! |
Na metade dos anos quarenta, ao
ingressamos, Aécio e eu, no Grupo Escolar Martiniano de Alencar, a nota máxima
era doze e não dez, como atualmente. Em nossa casa estabeleceu-se que, até sete
a nota obtida seria aceita, de seis a baixo, nunca. “Uns meninos que têm de
tudo, do bom e do melhor e que não têm outra obrigação que não seja a de
estudar, e para seu próprio bem, como não obterem a nota máxima?Então, eu tinha
o maior cuidado com relação às notas. Acostumei-me a notas altas. Ela se
tornaram tão corriqueiras que perderam a graça. Entretanto, tanto papai quanto
mamãe nos perguntavam constantemente: “ E as notas?"
Acostumado
que fora a me ter por perto tomando anotações, registrando o que devíamos
estudar, trabalhar nos fins de semana, Aécio ficou por sua própria conta. Com
sua inteligência privilegiada, bastava tão somente ficar atento. Os conteúdos
apresentados fixavam-se em sua cabecinha loura e bem feita. Eu tinha que
estudar e muito.
Pingo
de Ouro, seu cavalinho branco, o colocava num patamar mais alto do que o dos
demais colegas. A par disso, os gibis, guris, almanaques e revistas lhe tomavam
todo o tempo. Mamãe percebendo que o filho descuidava-se dos estudos, reclamou
e lhe impôs um horário. Só que, enquanto ela pensava que estudava, ele lia
revistas e tudo o que lhe satisfazia o gosto.
Papai
e mamãe quase que diariamente perguntavam-lhe: “ E como vão as notas, Carlos
Aécio? “ Muito boas, papai. Muito boas, mamãe.”
Cursávamos o segundo ano primário quando aconteceu o fato a seguir:
o circo
o circo
de muitos retalhos combinados, medidos, costurados, segurados pelo mastro. Aide setentona no CIRCO PORTUGAL em Crato, Ceará. |
Aécio manteve sua rotina diária de pouco estudo e de muitas brincadeiras. Dava suas escapadelas e se juntava à criançada que percorria a cidade seguindo o palhaço perna de pau, ajudando-o a divulgar o circo. O referido palhaço cantava, fazia perguntas e a meninada, eufórica, respondia-lhe de modo cadenciado, cantando com ele.
-Hoje tem espetáculo?
- Tem/ sim senhor.
-E é as sete e meia da noite?
- É/ sim senhor.
- E o circo tem trapezistas?
- Tem/ sim senhor.
- E o circo tem o homem que cospe fogo?
- Tem /sim, senhor.
- E o circo tem homem que domina leão?
- Tem/ sim senhor
- E o palhaço, o que é?
- É ladrão de mulher.
- E o palhaço ,o que foi?
- Ladrão de boi.
- Arrocha negrada...
As crianças gritavam alto aplaudindo suas palhaçadas.
- E arrocha mais alto.
As crianças berrando, rindo alto, felizes, amando aqueles precioso momentos.
-Eu vou ali e volto já.
- Vai comer maracujá
- E cadê a minha avó?
- Tá na mata de Zé Majó.
- Arrocha negrada...
Com essa nova e escondida atividade, meu irmão quase nada estudou dos conteúdos apresentados. Sua imaginação vagava por entre os personagens do circo: trapezistas, palhaços, malabaristas, domadores...
Ao receber um dos exercícios escritos, um grande e vermelho um destacava-se bem no meio da folha do mesmo. Não podia ser verdade aquilo que seus olhos viam, pensou. Depois, dando-se conta da realidade, estarrecido, fez logo a conta: “ de um
para doze faltam onze, vou receber onze bolos de palmatória e também não irei
ao circo. Fiarei em casa sozinho. Pensa minha cabecinha, pensa”.
Um sorriso vitorioso, brotou de dentro de si. Havia encontrado a solução perfeita. Abrindo a bolsa escolar retirou do estojo um lápis vermelho, do mesmo vermelho da nota, e caprichadamente, imitando com perfeição a letra da professora, acrescentou um dois. “Perfeito, um belo doze. Circo à vista”.
palhaço, perna de pau |
-Hoje tem espetáculo?
- Tem/ sim senhor.
-E é as sete e meia da noite?
- É/ sim senhor.
- E o circo tem trapezistas?
- Tem/ sim senhor.
- E o circo tem o homem que cospe fogo?
- Tem /sim, senhor.
- E o circo tem homem que domina leão?
- Tem/ sim senhor
- E o palhaço, o que é?
- É ladrão de mulher.
- E o palhaço ,o que foi?
- Ladrão de boi.
- Arrocha negrada...
As crianças gritavam alto aplaudindo suas palhaçadas.
- E arrocha mais alto.
As crianças berrando, rindo alto, felizes, amando aqueles precioso momentos.
-Eu vou ali e volto já.
- Vai comer maracujá
- E cadê a minha avó?
- Tá na mata de Zé Majó.
- Arrocha negrada...
trapezistas: salto mortal |
trapezistas: preparando-se . |
Malabarista |
domador |
Um sorriso vitorioso, brotou de dentro de si. Havia encontrado a solução perfeita. Abrindo a bolsa escolar retirou do estojo um lápis vermelho, do mesmo vermelho da nota, e caprichadamente, imitando com perfeição a letra da professora, acrescentou um dois. “Perfeito, um belo doze. Circo à vista”.
Feliz com a solução do problema que o atormentava, de papai veio-lhe a indagação, tão logo chegou em nossa casa:
-
Como te saíste, meu filho, em teus exercícios preparatórios?
-Muito
bem, meu pai. Hoje recebi um deles.
-
Então deixa que eu o veja.
-
Aí está, papai.
-
Tens certeza de que a nota está certa, meu filho. Não é demais?
-
Tenho, papai. É a nota justa. Estudei muito.
-
Tens certeza, meu filho?
-
Tenho, sim, papai.
-
Então vê, com teus próprios olhos, o exagero da tua professora.
Olhando
nas mãos de nosso pai, da prova saltava rindo, debochando dele, um 21. Na
pressa, para não ser pego, escrevera o dois antes do um.
-
Aécio, meu filho, porque fizeste isto contigo mesmo, conosco e com nossa
família?
-
Eu estava com medo papai. Medo dos bolos de palmatória. Medo de perder o circo.
-
Não sabes o mal que fizeste. Rasuraste um documento pondo-o a teu favor.
Mentiste descaradamente para ti, para nós. Não respeitaste tua professora.
Pensaste ser ela uma tola, e tu um sabe-tudo. Vá pegar a palmatória e volte aqui.
Um
a um, vagarosamente, os bolos foram dados: de 1 para 12, 11. 11 bolos bem
aplicados pela Chiquinha do Torno, a palmatória.
Papai,
após o castigo, o abraçou e prometeu-lhe que nunca mais o castigaria por causa
de notas baixas e acrescentou:
-
Hoje mesmo, nós dois vamos começar a ler um livro que nos ensinará a respeitar as pessoas. Vamos também, juntos, procurar a lei que fala sobre a
pena que sofrem, ou deveriam sofrer, aqueles que rasuram documentos. E com
relação ao circo, não és merecedor dele pelo ato imoral que praticaste. Eu
também não irei. Se tu agistes assim, devo, de alguma forma, ter contribuído para
isso. Vamos juntos limpar nossas almas.
Aécio com sua carinha de "aprontador". Imaginem este senhor quando criança. |
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