15. Papai X Aristênio :
Bananas
...e os filhos,retalhos diferentes, no coração da mãe,costurados. |
Após
o almoço, naquele dia, quando conversávamos ainda à mesa, mamãe que se
aborrecera com nosso mau comportamento, queixou-se a papai:
-
Jesus, estes meninos estão teimosos. Preciso repetir a mesma coisa, uma porção
de vezes, para que me compreendam e me obedeçam. Não sei o que está
acontecendo com eles.
-
Estão crescendo. Fica mais difícil controlá-los.
-
Pode ser. Mas acho que estão é desobedientes mesmo.
-
Bem. A mim, não desobedecem. Seja firme com eles.
-
Mais do que eu sou?
-
Ah! Iaci, não sabes te impor a eles.
Ficamos
mudos. Até então, nunca ouvimos nossos pais comentarem qualquer coisa a nosso
respeito, em nossa frente. Senti o pé de meu irmão Aécio, pisando o meu pé e
depois tocando em meu braço. Entendi que ele me pedia que me comunicasse com
Aristênio. Foi o que fiz. Olhei para Tenoca e pisei, com força, em um de seus
pés. Ele me olhou, acenou com a cabeça me dizendo sim. Mesmo estando aborrecido
por papai dizer que nossa mãe não tinha “moral” para conosco, ele se
controlaria. Quem não tem irmãos não sabe como é bom essas comunicações por
baixo da mesa, sem que os pais percebam.
Papai
nesse dia não nos leu nenhum conto, não brincou conosco. Saiu de casa e a ela
retornou poucos minutos depois, trazendo nas mãos onze bananas baiés, nossas
preferidas, meio verdosas. Continuávamos na copa conversando com mamãe, como se
nada houvesse acontecido. Ele nos chamou:
-
Meus filhos, venham aqui um instante. Quero lhes dizer uma coisa. Vejam, estou
colocando nesta fruteira onze bananas. Elas estão meio verdosas. Amanhã já
estarão maduras. Depois, mais maduras e cheirosas. Nenhum de vocês pode pegar
nenhuma delas. Elas apodrecerão aí aonde então. Compreenderam?
...e o retalho pai, comprou onze bananas baiés. |
- Papai, por que não
podemos saborear estas bananas?
- Porque, Aristênio, elas
estão aqui para que tu e teus irmãos aprendam a obedecer. Entendeste ?
- Sim Papai.
Diariamente,
naquela semana, papai, após o almoço, contava as benditas bananas e o fazia
alto, e lentamente. Notamos que ele queria dizer a nossa mãe que ele estava com
a razão: ela não sabia impor-se a nós.
Passados
sete dias, papai, após o almoço, levantando-se da mesa, convidou toda a
família, inclusive as moças que trabalhavam em nossa casa e, solene e
lentamente, contou as frutas as quais exalavam um cheiro não agradável. Após a
contagem, olhou vitorioso para nossa mãe e disse:
-
Estás vendo, Iaci, o diabo não é tão feio quanto o pintam. A obediência venceu.
Tu me disseste que nossos filhos são desobedientes. Eles obedecem muito bem, a
quem sabe mandar, ordenar.
Foi
o máximo que Aristênio aguentou. Raciocinava ele: “ será que meu pai não
percebe que humilha minha mãe?” então exclamou:
Aristênio, Barbalha/1946 |
- O diabo é feio sim, meu
pai, mais feio do que o senhor pensa.
- O que queres dizer com
isto, meu filho?
-
Quero dizer que o senhor foi além da conta. Quero dizer que eu, José Aristênio
Landim Luna, comi três destas malditas bananas que todos os dias me insultavam
e insultavam a minha mãe.
-
Estas mentindo. Todas as onze, que pus na fruteira, estão aqui.
-
Não, meu pai. Aí estão onze bananas, entretanto, não são as mesmas
colocadas pelo senhor. Eu comi três das mais maduras, maiores, mais cheirosas e
gostosas e depois peguei a moedinha que minha mãe trouxe na Semana Santa e
guardou na gavetinha da mesa do santuário. Fui ao mercado e comprei à Deca,
duas bananas iguais àquelas compradas pelo senhor. Elas estão aí, bem à sua
frente.
- Mentes, meu filho. Mentes.
-
Então, meu pai, vamos juntos ao mercado e perguntemos à Deca. Ela dirá a
verdade para o senhor. O senhor nunca mais duvidará do respeito que temos por
nossa mãe.
Mamãe
olhou na gavetinha da mesa do santuário. A moeda que tão zelosamente
guardara, desaparecera.
-
Meu filho, tiveste coragem de comprar algo, usando nossa moeda. Nossa moeda
abençoada?
Um tostão. |
Ora, minha mãe, eu não podia
mais suportar as contagens diárias de meu pai. A cada contagem, eu estremecia
de horror. Ele não sabe quanto nos fez mal. Eu não ia revelar este segredo. Ele
me forçou a isto, com suas palavras.
De
volta, papai entregou a mamãe sua moedinha que Deca guardara. A quitandeira
gorda e risonha, amiga da família, entendera que o menino de seu Dijesus, por
pirraça, usara a moedinha da mãe.
Envergonhado,
papai se desculpou a mamãe. Esta o olhou bem nos olhos. Depois nos abraçou e
nos pediu que esquecêssemos aquela cena desagradável.
Depois
que papai saiu para o trabalho, mamãe conversou com Aristênio. Tentou, como
sempre fazia, ensinar-lhe que não tomasse para si seus problemas maternos e de
esposa. O filho apenas respondeu:
-
Mamãe, está acima de minhas forças. Nunca suportarei que tentem tirar seu
brilho. Sou parecido com a senhora, pavio curto, teimoso, mas meu coração é bom
como o da senhora.
Frutas- principal alimento do Rangó. Fruta Predileta: banana aliada ao pequi. |
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