domingo, 10 de fevereiro de 2013




         17. Mamãe,  tio Lourival e a  cadela Red




Mamãe sempre foi muito amiga do tio Lourival Marques. Ele, por sua vez, a admirava e a respeitava. Os dois se curtiam. Sempre ouvi dizer que ele era fechado, zangado, de difícil amizade. Aquele que conhecemos era amigo, generoso, conversador, amável, amigo.



Tia Luci e tio Louvival
Da última vez que o vimos em nossa casa, trouxe consigo sua cadela, Red. Uma policial de pelos negros, linda. Nós, os do primeiro time, nos encantamos. E quem não se encantaria? O tio chegou sem pressa. Queria conversar demoradamente com nossos pais. Estes, como sempre, abertos ao novo, o ouviram e o compreenderam. Ele desejava viajar para o Rio de Janeiro e lá tentar um novo e melhor estilo de vida. Nossos pais o apoiaram. Dormiu em nossa casa e passeou conosco no dia seguinte, sem pressa. Para nós um passeio de sonhos porque o tio nos permitia conduzir a cadela. 


Havia em Barbalha apenas um cão policial pertencente a Dr Lyrio Callou, marido de tia Cinobelina. Quando este soube de uma cadela negra da mesma raça do seu cão, em Barbalha, não resistiu. Fez questão de conhecê-la. Tio Lourival achava tudo novo, alegre, acolhedor. E nós nos orgulhávamos dele, de sua inteligência, de sua conversa, e de saber que fora ele quem, em nome do povo nordestino se despedira do Padre Cícero, quando de sua morte, através de uma belíssima e  decantada crônica.

Quando, nosso tio, indo ao banho, pediu a Red que lhe levasse a toalha, depois os chinelos, não nos contivemos. Foi o paraíso na terra.

Tendo recebido de nossos pais força e coragem para realizar seu sonho, perguntou aos mesmos se podia nos presentear com a cadela. É que, com sua viagem, tia Luci com a filha Vânia e o filho,Igor, passariam a morar com Mãe Neném até que o tio os pudesse manter na Cidade Maravilhosa. Não havia espaço para a cadela. Após o fim de semana regressou a Juazeiro. 

Mamãe, sabiamente, esperou dois dias, e rumou para lá. Sentia não ser fácil para tia Lu, permitir a viagem sem volta, do marido. Como sabia argumentar bem, conseguiu acalmar nossa tia. O tio viajou. Nós recebemos o melhor presente de nossa vida, RED.




Parece-me vê-la. Um animal inteligente, bem treinado, amigo, companheiro. Conosco rolava pelo chão, conosco brincava e cuidava de cada um de nós. Quando nossos pais saiam á noite, ordenavam-lhe que não saísse da porta nem permitisse a entrada de pessoa alguma em nossa casa. Podiam  demorar-se o tempo que quisessem, ela não dormia nem se afastava do local determinado. Se algum de nós saísse de sua cama, ela latia balançava a cabeça e não sossegava até que voltássemos ao lugar onde estivéramos antes.

Um dia Dr Lyrio perguntou a nosso pai se ele possuía algum documento comprovando ser a cadela pura de origem. Papai riu e disse que sim. Realmente, o tio lhe entregara o documento. Então ele propôs cruzarem seu cachorro com nossa cadela. Foi a vez de papai perguntar-lhe pela documentação de seu cão. E fez disso uma grade piada. Acertaram os dois que, se nascesse algum cão negro como a cadela mãe, seria nosso, se algum fosse totalmente branco seria da família da tia Cinobelina. Se nascessem cães brancos com manchas negras, e apenas um e os demais filhotes fossem fêmeas, tirariam, na sorte, a quem pertenceria. Uma espera sofrida. Finalmente pudemos ver os filhotes e, entre eles, um cãozinho negro como a mãe. Nosso cão. Nosso Rex.



Nada mais nos interessou. Por esta razão não sei se o cão que ficou com Dr Lyrio era branco ou manchado nem, tampouco, o que foi feito dos  demais filhotinhos. Sei, com certeza que, com foi acordado, apenas dois cães permaneceram em Barbalha, o nosso e o da família da nossa tia.

Red, era apegada á mamãe. Desfazer-se dela seria muito difícil. Assim papai permitiu que nosso Rex crescesse ao lado da mãe até se tornar adulto. A separação era inevitável. Papai, combinando com mamãe, doou-a a Cloves Sampaio. Este atravessava uma fase difícil de sua vida perseguido por ladrões e assassinos. A Red o protegeria. E assim o fez. Entretanto, sempre que  percebia estarem “as coisas” acalmadas, corria  à noite à nossa casa. Arranhava a porta. Mamãe levantava-se de sua cama, abria-lhe a aporta. Uma Red saudosa se atirava sobre ela e silenciosa deitava-se no tapetinho ao lado da cama, próximo a nossa mãe. Dormia imediatamente. Aquele era seu lugar de repouso, sua segurança. Quando acordávamos pela manhã, éramos lambidos, beijados por ela. Papai avisava a Cloves, da visita inusitada. Ela a pegava e a levava de volta . Mas aquela entrega despreocupada da Red  à mamãe, nos indicava que somente conosco, ela se sentia livre, protegida, descansada.

Um dia, em um combate, Red lançou-se á frente do senhor Cloves e a bala a ele dirigida a atingiu em uma de suas  patas traseiras. Papai solicitou ao amigo que não propagasse a notícia. Sofreríamos muito com a mesma.  O senhor Cloves acatou o pedido de nosso pai, mas a Red, não. Tão logo pode, á noite arranhou nossa porta. Felizes pela visita, nos deparamos com nossa  amiga mancando ferida na pata. Choro total. Ante nosso sofrimento, papai fez novo pedido ao amigo: que  levasse a cadela para o sertão ou para um lugar em que fosse bem tratada. Tal se deu. Nunca mais a vimos. Sua lembrança permaneceu. Com ela muito aprendemos, e dela nunca esquecemos. Como é bom para  crianças ter animais de estimação em suas casas! São amigos que as ajudam a  abrirem-se para relacionamentos ímpares e ricos, em suas vidas.




                                                                       
Tio Lourival e família: > Vânia, tio Lourival  e tia Luci .
Atrás os dois filhos: Eduardo ( carioca) e Igor ( Juazeirense do Ceará)

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