14. Aristênio, Tenoca, Tenoquinha, Rangó.
Tudo Misturado.
Tudo Misturado.
...e o retalho mãe deu colo ao filho, retalhinho seu. Juntos, alegremente costurados, deixaram a prisão. |
Há algum tempo, quando eu fazia hidroginástica na piscina da casa de Isa Barreto, após o exercício, gostava de demorar-me um pouco, conversando com a amiga, dona da casa. Em um desses dias, ansiosa, ela aguardava a visita de um de seus irmãos que vinha do Rio de Janeiro para passar um mês inteiro em sua companhia. Muito alegre, antevendo os dias perfeitos, me falou assim: “Aide, das coisas que Deus nos dá nesta vida, uma das melhores são os irmãos. Para mim, irmãos são como um prado sempre verde. As vezes, um canto pequeno desse prado se nos afigura um tanto desbotado, entretanto, o orvalho da noite cai sobre ele , e quando o sol desponta, o pedaço antes murcho, brilha num verde mais acentuado. Guardamos, algumas vezes, mágoas até dos filhos. Dos irmãos, nunca. Eles nos entendem. Saímos do mesmo útero e vivemos juntos, a mesma vida. O prado verde nos descansa da caminhada, nos acolhe, nos compreende, nos ajuda, nos aceita. Para mim, irmãos é uma das mais belas invenções divinas.” Gostei tanto da parábola, que , sem pedir autorização a autora, escrevo-a aqui, buscando com a mesma, expressar o que representam meus irmãos para mim: “um prado sempre verde.”
Não
acreditou, a cabocla, no que seus olhos viam. Era demais para ela, aquele
silêncio. “Hoje morro de melancolia. Como é gostosa a agitação desta casa!
Acostumei-me. Hoje o silêncio me incomoda. Até parece que eu não sou do Sertão,
que não esteja acostumada a grandes silêncios.”
-
Meninos, a merenda está serviiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiida. Venham depressa, eu
fiz para vocês uma gostosa canjica. Está quentinha. Venham correndo. Venham!
Entretido,
o quarteto deu silêncio por resposta.
-
Estão me ouvindo? O que há com vocês?
Respondam-me, por favor.
-
Maria Delmiro com Aride, Aécio e a
maninha, Aide, sentaram-se à mesa.
Aristênio, em seu mundo entretido, não ouviu que a sertaneja preparara sua tão
desejada canjica.
-
Aristêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêênio. Tenoooooooooooooooca.
O menino dando-se conta,
voltou-se para o lado de onde a voz o chamara e indagou:
- Alguém me chamou?
- Fui
eu, oxente. Tá ficando doido, ou a barriga não quer meu de comer?
-
Desculpe-me, Divina. Eu não a ouvi. Eu estava brincando.
- É.
Eu vi. E não vai comer a canjica?
-
Daqui a pouco. Estou sem fome.
-Sem
fome? Você tá é de miolo mole. Ou tá cum febre. Ou a cobra te mordeu?
-
Divina, Divina. Eu estou brincando. Deixe-me quieto.
-
Deixa de ser besta. Pensa que é seu Dijesus? Pensa? Pois não é não. Você é um
Rangó muito do besta.
- “Rangó é a p q. t. p., sua
sertaneja desgraçada. Rangó? Vou te matar desgraçada. Rango é a mãe.” E partiu
para cima da cabocla desejando matá-la. Como ousara chamá-lo de RANGÓ?
Divina
recuperara seu mundo. Aristênio voltara a ser seu menino brabo. Os dois
lutaram. Ela mais forte, trancou-o na despensa, e guardou a chave. Ele gritou,
berrou, mais ela muito contente, somente dizia:
“quando Donhaci chegar, vai te esquentar o couro, Rangó. Rangozinho, nem
vais comer a gostosa canjiquinha da tua Divina.”
O
menino cobriu-a de palavrões. Chutou a porta inúmeras vezes, aquietou-se depois. Nenhum ruído vinha da
“prisão” improvisada. As horas foram passando e ela atormentada. Com um dos
ouvidos colado á porta bem fechada, nada ouvia.
Perto
das cinco horas da tarde, a mãe da família, dona Iaci, chegou e estranhou aquele
silêncio. Ao retornas à casa sempre encontrava “sua turminha” muito agitada.
-
Divina, o que houve? Onde está Aristênio.
-
Bem, Donhaci, ele me deu umas chutadas, xingou-me com os mais terríveis
palavrões. Ele estava tão enraivecido, que queria me matar. Então, eu o prendi
na despensa.
-
Prendeu-o na despensa? Estás ficando louca? Quando te dei licença para castigares um filho meu? E mais, que ousadia é esta tua? És, por acaso, um
policial ou delegado? Responde-me, por que fizeste isso com um dos meus filhos
que, impensadamente, a ti confiei?
-
Donhaci, me desculpe. Eu fiquei com medo dele. Ele estava tão agitado que não
tive escolha.
Parece
que não me conheces. Ninguém, a não ser o pai, pode triscar em um filho meu. Onde puseste a chave
da despensa?
-
Aqui, no bolso de minha saia. Mas me desculpe, minha patroa.
-
Desculpar-te? Esconde-te em um lugar aonde eu não te veja. Foste muito, mas muito
mesmo, além da conta. Afasta-te de mim. Quero abraçar meu filho. Ele não é
nenhum bandido para ficar preso num lugar escuro, sem graça. Ele é uma criança.
É bravo, é 'danado'. E daí? Apressa-te, some, sai, vai-te ou eu não respondo por mim.
Donhaci,
eu peço a senhora que pelo amor que a senhora tem a Nossa Senhora, deixe
primeiro que eu veja Aristênio. Estou com medo, minha patroa. Estou com medo
que ele tenha feito uma besteira. Faz mais de duas horas que ele está mudo. Por
Nossa Senhora, eu suplico, permita que eu veja se ele está bem.
-
Não. Nem por ela, minha mãe, o permitirei. Não sei ainda se te quero aqui em
nossa casa. Vai-te, desaparece, criatura. Não vês que me feriste, prendendo meu
menino? Ele te ama e tu o tratas como a um bandido. Apressa-te.
-
Abra a despensa, Donhaci. Acho que ele morreu sem ar, ali dentro. Abre, minha
patroa.
Dona Iaci,
deu meia vota, olhou firmemente para a sertaneja, tanto tempo dona de sua
cozinha. Divina baixou a cabeça e soluçando, foi para seu quarto, atormentada.
Sabia que errara. Tenoca estava em paz, brincando com seus carrinhos. “Que
bicho me mordeu para eu proceder assim com um filho desta casa,
sem a qual não poderei viver? Pensava. "Será bem feito que me despeçam. Voltarei de
cabeça baixa. Mas a lição me serviu. Nunca mais me arvorarei do direto de
querer ser patroa, nesta casa.”
Maria
Iaci, temerosa, abriu a porta da despensa.
-
“Mamãezinha querida do meu coração, a senhora chegou! Que bom mamãezinha”,
gritava Tenoca encarapitado numa montanha de alimentos não perecíveis que
misturara. Retirara-os um a um de suas latas, onde eram guardados.
-
Estas bem meu filhinho? Estás bem depois de ficares trancado por tanto tempo?
- Ora
mamãezinha, foi muito bom, foi divertido. A sertaneja me chamou de Rangó, me
prendeu, me castigou. Aí, mamãezinha, eu preparei um castigo para ela. Veja,
mamãezinha, ela não dormirá esta noite. Tudo da despensa está bem misturado. A
danada da desgraçada, vai amargar agora, separando esta montanha que aprontei
para ela.
Alivida, Maria Iaci abraçava, sorrindo, o filho pequenino que soubera transformar o castigo imposto por Divina, numa piada, numa grande diversão.
O retalhinho filho aproveitou o momento e divertiu-se misturando grãos. |
Alivida, Maria Iaci abraçava, sorrindo, o filho pequenino que soubera transformar o castigo imposto por Divina, numa piada, numa grande diversão.
Maria
Iaci era assim: uma leoa feroz quando alguém, desavisado, feria uma filha ou
filho seu.
Divina,
a sertaneja bela, permaneceu na casa dos Landim Luna até que um dia, após uma visita ao Sertão,
encontrou um sertanejo que lhe roubou o coração. Os patrões lhe presentearam
com um lindo enxoval. De todo aquela gente, a quem amara tão profundamente, o
menino Aristênio, seu amado Tenoca, seu impulsivo e indomável Rangó, nunca lhe
saiu do coração, nem da mente. Ao primeiro filho, batizou-o com seu nome.
Perdemos
o contato com ela. O marido ganhou de herança, uma fazenda no estado da
Paraíba. Sempre que nos lembramos dela, recordamos seu amor por nosso irmão e
torcemos para que o outro Rangó, seja como o nosso: um homem bom, de bem com a vida. Um sorriso aberto, um
amigo de seus amigos, um irmão prado verde.
No Cariri, em Crato,cidade de felizes encontros , Aristênio, o Rangozinho de outrora, celebra entre risos o Natal de 2012. Prado Verde- Sorriso fácil.
Seu Ari Setentão, divertindo-se em seu sítio em Floripa. |
Tenoca, o terceiro Landim Luna. |
Lindo Prado Verde embelezando Floripa. |
Como todo Landim Luna, tem seus lundus. Mas continua Prado Verde. |
No sítio Luna, em Floripa. Tenoca é agora um Manezim "porreta". |
Maria, a filha mais nova do Rangó no Sítio Luna em Florianópolis |
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