domingo, 10 de fevereiro de 2013




 14. Aristênio, Tenoca, Tenoquinha, Rangó.

 Tudo Misturado.



...e o retalho mãe deu colo ao filho, retalhinho seu. 
Juntos, alegremente costurados, deixaram a prisão.


Há algum tempo, quando eu fazia hidroginástica na piscina da casa de Isa Barreto, após o exercício, gostava de  demorar-me um pouco, conversando com a amiga, dona da casa.  Em um desses dias, ansiosa, ela aguardava a visita de um de seus irmãos que vinha do Rio de Janeiro para passar um mês inteiro em sua companhia. Muito alegre, antevendo os dias perfeitos, me falou assim:  “Aide, das coisas que Deus nos dá nesta vida, uma das melhores são os irmãos. Para mim, irmãos são como um prado sempre verde. As vezes, um canto pequeno desse prado se nos afigura um tanto desbotado, entretanto, o orvalho da noite cai sobre ele , e quando o sol desponta, o pedaço  antes murcho, brilha num verde mais acentuado. Guardamos, algumas vezes, mágoas até dos filhos. Dos irmãos, nunca. Eles nos entendem. Saímos do mesmo útero e vivemos juntos, a mesma vida. O prado verde nos descansa da caminhada, nos acolhe, nos compreende, nos ajuda, nos aceita. Para mim, irmãos é uma das mais belas invenções divinas.” Gostei tanto da parábola, que , sem pedir autorização a autora, escrevo-a aqui, buscando com a mesma, expressar o que representam meus irmãos para mim:  “um prado sempre verde.

...acariciando fraternalmente o prado verde, sempre verde, pelo amor nele derramado.


Do prado verde Landim Luna, o quarteto do primeiro time(Aécio, Aíde, Aristênio e Aride), não podia ficar longe dos pais, aprontava confusões e a “peia comia.” Naquela tarde, o pai na sapataria, a mãe fazendo compras em Juazeiro, a calmaria reinava. Divina, a sertaneja, rainha cozinheira, achando estranho tanto silêncio, buscou com o olhar as quatro crianças. Não acreditou naquilo que seus olhos viam: uma lendo, outra com a boa ama. O mais velho entretido com um quebra-cabeça e Aristênio brincando com carrinhos.

Não acreditou, a cabocla, no que seus olhos viam. Era demais para ela, aquele silêncio. “Hoje morro de melancolia. Como é gostosa a agitação desta casa! Acostumei-me. Hoje o silêncio me incomoda. Até parece que eu não sou do Sertão, que não esteja acostumada a grandes silêncios.”

- Meninos, a merenda está serviiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiida. Venham depressa, eu fiz para vocês uma gostosa canjica. Está quentinha. Venham correndo. Venham!

Entretido, o quarteto deu silêncio por resposta.

- Estão me ouvindo? O que há com vocês?  Respondam-me, por favor.

- Maria Delmiro com Aride,  Aécio e a maninha, Aide,  sentaram-se à mesa. Aristênio, em seu mundo entretido, não ouviu que a sertaneja preparara sua tão desejada canjica.

- Aristêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêênio. Tenoooooooooooooooca.

O menino dando-se conta, voltou-se para o lado de onde a voz o chamara e indagou:

- Alguém me chamou?

- Fui eu, oxente. Tá ficando doido, ou a barriga não quer meu de comer?

- Desculpe-me, Divina. Eu não a ouvi. Eu estava brincando.

- É. Eu vi. E não vai comer a canjica?

- Daqui a pouco. Estou sem fome.

-Sem fome? Você tá é de miolo mole. Ou tá cum febre. Ou a cobra te mordeu?

- Divina, Divina. Eu estou brincando. Deixe-me quieto.

- Deixa de ser besta. Pensa que é seu Dijesus? Pensa? Pois não é não. Você é um Rangó muito do besta.

- “Rangó é a p q. t. p., sua sertaneja desgraçada. Rangó? Vou te matar desgraçada. Rango é a mãe.” E partiu para cima da cabocla desejando matá-la. Como ousara chamá-lo de RANGÓ?


Divina recuperara seu mundo. Aristênio voltara a ser seu menino brabo. Os dois lutaram. Ela mais forte, trancou-o na despensa, e guardou a chave. Ele gritou, berrou, mais ela muito contente, somente dizia:  “quando Donhaci chegar, vai te esquentar o couro, Rangó. Rangozinho, nem vais comer a gostosa canjiquinha da tua Divina.”

O menino cobriu-a de palavrões. Chutou a porta inúmeras vezes,  aquietou-se depois. Nenhum ruído vinha da “prisão” improvisada. As horas foram passando e ela atormentada. Com um dos ouvidos colado á porta bem fechada, nada ouvia.

Perto das cinco horas da tarde, a mãe da família, dona Iaci, chegou e estranhou aquele silêncio. Ao retornas à casa sempre encontrava “sua turminha” muito agitada.

- Divina, o que houve? Onde está Aristênio.

- Bem, Donhaci, ele me deu umas chutadas, xingou-me com os mais terríveis palavrões. Ele estava tão enraivecido, que queria me matar. Então, eu o prendi na despensa.

- Prendeu-o na despensa? Estás ficando louca? Quando te dei licença para castigares um filho meu? E mais, que ousadia é esta tua? És, por acaso, um policial ou delegado? Responde-me, por que fizeste isso com um dos meus filhos que, impensadamente, a ti confiei?

- Donhaci, me desculpe. Eu fiquei com medo dele. Ele estava tão agitado que não tive escolha.

Parece que não me conheces. Ninguém, a não ser o pai, pode  triscar em um filho meu. Onde puseste a chave da despensa?

- Aqui, no bolso de minha saia. Mas me desculpe, minha patroa.

- Desculpar-te? Esconde-te em um lugar aonde eu não te veja. Foste muito, mas muito mesmo, além da conta. Afasta-te de mim. Quero abraçar meu filho. Ele não é nenhum bandido para ficar preso num lugar escuro, sem graça. Ele é uma criança. É bravo, é 'danado'. E daí? Apressa-te, some, sai, vai-te ou eu não respondo por mim.

Donhaci, eu peço a senhora que pelo amor que a senhora tem a Nossa Senhora, deixe primeiro que eu veja Aristênio. Estou com medo, minha patroa. Estou com medo que ele tenha feito uma besteira. Faz mais de duas horas que ele está mudo. Por Nossa Senhora, eu suplico, permita que eu veja se ele está bem.

- Não. Nem por ela, minha mãe, o permitirei. Não sei ainda se te quero aqui em nossa casa. Vai-te, desaparece, criatura. Não vês que me feriste, prendendo meu menino? Ele te ama e tu o tratas como a um bandido. Apressa-te.

- Abra a despensa, Donhaci. Acho que ele morreu sem ar, ali dentro. Abre, minha patroa.

Dona Iaci, deu meia vota, olhou firmemente para a sertaneja, tanto tempo dona de sua cozinha. Divina baixou a cabeça e soluçando, foi para seu quarto, atormentada. Sabia que errara. Tenoca estava em paz, brincando com seus carrinhos. “Que bicho me mordeu para eu proceder assim com um filho desta casa, sem a qual não poderei viver? Pensava. "Será bem feito que me despeçam. Voltarei de cabeça baixa. Mas a lição me serviu. Nunca mais me arvorarei do direto de querer ser patroa, nesta casa.”
Maria Iaci, temerosa, abriu a porta da despensa.

- “Mamãezinha querida do meu coração, a senhora chegou! Que bom mamãezinha”, gritava Tenoca encarapitado numa montanha de alimentos não perecíveis que misturara. Retirara-os um a um de suas latas, onde eram guardados.

- Estas bem meu filhinho? Estás bem depois de ficares trancado por tanto tempo?

- Ora mamãezinha, foi muito bom, foi divertido. A sertaneja me chamou de Rangó, me prendeu, me castigou. Aí, mamãezinha, eu preparei um castigo para ela. Veja, mamãezinha, ela não dormirá esta noite. Tudo da despensa está bem misturado. A danada da desgraçada, vai amargar agora, separando esta montanha que aprontei para ela.
O retalhinho filho aproveitou o momento e divertiu-se misturando grãos.

Alivida, Maria Iaci  abraçava,  sorrindo, o filho pequenino que soubera transformar o castigo imposto por Divina, numa piada, numa grande diversão.

Maria Iaci era assim: uma leoa feroz quando alguém, desavisado, feria uma filha ou filho seu.

Divina, a sertaneja bela, permaneceu na casa dos Landim Luna  até que um dia, após uma visita ao Sertão, encontrou um sertanejo que lhe roubou o coração. Os patrões lhe presentearam com um lindo enxoval. De todo aquela gente, a quem amara tão profundamente, o menino Aristênio, seu amado Tenoca, seu impulsivo e indomável Rangó, nunca lhe saiu do coração, nem da mente. Ao primeiro filho, batizou-o com seu nome.

Perdemos o contato com ela. O marido ganhou de herança, uma fazenda no estado da Paraíba. Sempre que nos lembramos dela, recordamos seu amor por nosso irmão e torcemos para que o outro Rangó, seja como o nosso: um homem  bom, de bem com a vida. Um sorriso aberto, um amigo de seus amigos, um irmão prado verde.



 No Cariri, em Crato,cidade de felizes encontros , Aristênio, o Rangozinho de outrora, celebra entre risos o   Natal de 2012.                                                                               Prado Verde- Sorriso fácil.                                    

Seu Ari Setentão, divertindo-se em seu sítio em Floripa. 
Tenoca, o terceiro Landim Luna.
Lindo Prado Verde embelezando Floripa.












Como todo Landim Luna, tem seus lundus. Mas continua Prado Verde.
No sítio Luna, em Floripa. Tenoca é agora um Manezim "porreta".



Maria, a filha mais nova do Rangó no Sítio Luna em Florianópolis







Nenhum comentário:

Postar um comentário