sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

33 - H ISTÓRIAS DA CASA DA BICA, Aécio




              5. Aécio na casa da bica
    


...e o retalho, primeiro filho, voltando a ser criança, "bagunçou o coreto" 


                                

Quando os Landim Luna viram o Refúgio do Guerreira, a Casa da Bica, pareciam sonhar de tão felizes. Finalmente encontraram o lugar ideal para as reuniões familiares. Em todas as férias escolares, lá estávamos, juntos, festejando a vida.




> Gustavo, Ive, Flávio, Bruno, Alexandre.


A casa estava pronta, mobiliada, os jardins lindos. Buganvílias coloridas da branca a roxa escura, da amarela alaranjada á vermelha bordô. Todas em flor, o ano inteiro. As trepadeiras floridas formavam um muro entre nossa casa e a antiga casa da Adília, agora casa do caseiro, com uma grande castanheira esparramando seus galhos. Nossa casa parecia de sonhos. Mas não tinha muro. O dinheiro destinado ao mesmo fora usado na construção de muros de arrimo, e de tijolos para o piso, junto à bica.

> Yuri, Carlinhos, Julio, Chico Parente, Aristênio, R. Junior e Rômulo.


O que poderia causar incômodo, foi motivo de satisfação para os Landim Luna, que naquele mundo sem porteiras, como o pai, começaram a aprontar. Arilo armou todos os meninos com baladeiras (estilingues) e lhes prometeu alguns cruzeiros por cada frango ou galinha que matassem dos vizinhos. Inocente, eu não sabia da trama. Amélia me apareceu com uma galinha morta nas mãos. Informou-me que um dos meus sobrinhos, a assassinara.
- Tens certeza Amélia?
- Mais do que isso, minha amiga, teus sobrinhos estão atirando com baladeiras em nossas galinhas. Sabes quanto me custa uma delas?
- Descansa, amiga. Tomarei providências.
Arilo, como se não soubesse de nada, aproximou-se e perguntou o que acontecera. Após informado, propôs a ela que cuidasse de “pelar”, tratar, temperar aquela penosa, que ele lhe pagaria o dobro do preço. Mui contente, Amélia achou que fizera um bom negócio. Arilo, todo prosa, certo que me enganara, tentou "sair de fininho".
- Venha cá, seu malandro. Você mandou as crianças matar as galinhas dos vizinhos?
- Eu? Estás maluca? Jamais faria tal coisa. Sei como presas tua vizinhança. Mas que veio em boa hora esta bela galinha, veio, e com farofa.
- Pensas que me enganas? Se mais uma galinha aparecer morta na vizinhança, vais ver a que faço contigo.
Rindo, feliz, alegre pela vitória, chamou os das baladeiras e lhes pediu que suspendessem a “guerra”, por aquela manhã. Quando a noite chegasse, seria melhor, mais fácil guerrear. “Matem apenas duas galinhas, e me chamem. Não deixem tia Aide saber de nada”. E assim, ele e Amélia negociaram as galinhas das redondezas. Não lhes faltavam galinhas cozidas, farofas, pirão e verduras. Amélia, que vira um filão, aproveitou-se e espalhou pelos vizinhos, que sairiam no lucro. “Eles nos pagarão em dobro, pelos “tira- gosto”.
                                               
                                                                 
Amélia, 2012

A casa sem muros, assim, pareceu-me perigosa. Mas meus irmãos  diziam-me sempre:
- Não tenha pressa. Está tão bom assim, a céu aberto. Para que queres murar o que sempre existiu sem muros?
 E  levavam-me na conversa. Meu amado se divertia. Gostava de ver a euforia dos cunhados irmãos.


Num sábado, recebemos a visita do Niondes, irmão de José Rômulo. Parente  pediu-me que eu providenciasse uma boa picanha para ele. Era um amigo querido.
Aécio, que não gostava de me ver, a não ser me divertindo, conversando,  perguntou-me:
- Que fazes tu, maninha, nesta churrasqueira?
- Estou olhando uma carne, uma picanha que Parente pediu para servir ao Niondes.
- Qual é o pedaço? Qual é a picanha que olhas com tanto cuidado?
- É está aqui, irmão. É esta que está quase no ponto, e que levarei com esta farofa para o amigo do meu marido.
- Mas que estás a me dizer? Este pedaço é meu. Eu o guardei para mim. Nem penses em levá-lo a quem quer que seja. Eu, Carlos Aécio, vim de Fortaleza para comer esta picanha com cerveja. Niondes? Quem é Niondes? Eu não o conheço.
- Brincadeiras a parte, irmão. Brincadeiras, agora, não. Ele está esperando e é esta a picanha. Quase no ponto, está.  A ele eu a servirei.
- Pensas, maninha, pensas que a servirás. Já te disse: ela é minha. Nela nenhum Niondes tocará. Eu te garanto.
Meio amedrontada pelo que ele poderia aprontar, tratei de virar a picanha mais uma vez e ele rindo,  olhando-me, balançava a cabeça dizendo:
- Tu, aqui, neste calor, cuidando de carnes para um senhor, que nem teu irmão é. Deixa Chico pensar que Niondes comerá esta belezinha. Minha maninha não vai servir carne alguma para ninguém, só para mim.
- Não aprontes, eu te peço. Não aprontes.
-Aprontar? E eu sou lá homem de aprontar. Sou de agir. Verás agora. Aponte-me, novamente, maninha, qual é o pedaço tão saboroso, que com tanto zelo  cuidas para aquele moço?
- É este que estás vendo. Aliás, já vou retirá-lo da churrasqueira e servi-lo ao Niondes.
- Hum, pedaço maravilhoso, macio, gostoso. Deixa-me te ajudar.
E chegando bem para perto de mim falou:
- Maninha, nesta casa ou em qualquer casa, o melhor é para nos. Eu te disse e não acreditastes. Esta picanha, somente eu a comerei.
Cuspiu na picanha por três vezes, gargalhou e com aqueles seus olhos puxados me olhou, depois me beijou e me disse:
- Aprendeste, maninha? Acho que aprendeste. Ninguém é no mundo mais importante do que nós. E se Chico se aborrecer, que se aborreça. Pegue este outro pedaço de carne de galinha do qual  tanto gostas, e vamos juntos tomar nossa cerveja na bica. Rômulo, se quiser, que venha fazer as honras da casa para o irmão. Eu e você vamos rir, conversar, esquecer o resto do mundo.

No domingo, todo alegre porque só os Landim  Luna e Landim Leite se confraternizavam, pediu-me que lhe fizesse uma boa pequizada:
- Daquela, maninha, daquelas que só você sabe fazer. Com quiabo e maxixe e muito coentro.
- Cem pequis são suficientes?
- Sei lá? Agora que aprendi a cuspir na comida, marcando meu território, podes fazer a quantidade que quiseres. Vou tomar cerveja com pequizada. Depois vamos pensar o que faremos hoje. Hoje é dia de missa, dia de domingo. Não vais á missa, maninha?
- Mas é claro que sim. Aqui perto na capela de Nossa Senhora, padre Ágio celebra as dez horas. Vamos juntos?
- Tu rezas por mim. Vais com teu marido e filhas, e eu fico cuidando do resto da família. Se a pequizada não ficar pronta antes dessa hora, tua caseira cuidará de tudo.
- Não te preocupes, deixarei tudo no ponto. Ariane ficará de olho na pequizada. Eu vou tomar meu banho e ir à missa. Toma juízo irmão.

Nádia Aride, Ive e Martinha.

À tarde, após o almoço, formamos duas mesas de jogo de buraco debaixo das mangueiras. Aécio, quando acordou de sua soneca do meio dia e nos viu entretidos com baralhos,  sentiu-se ofendido:
- Moro em Fortaleza. Viajo seiscentos quilômetros de vinda, seiscentos de volta, para ficar com minha família e esta deixa-me sozinho. Baralho!... Tenho horror a baralho, é um atrapalho, rouba as pessoas da gente. Escutem-me, deixem estes baralhos, e vamos conversar.
- Deixe-nos terminar esta rodada, e te prometemos não mais jogar. Tem paciência, irmão. Dormistes até agora, e ficas reclamando. Vá tomar banho, irmão.
- Tomar banho! Agora mais esta. Que desaforo é este? É o danado do baralho, ele é ladrão, ele vicia. Ele é um monstro que separa irmãos. Tens dez minutos, irmã, nenhum minuto a mais, para terminares com esta jogatina. Que sina, que coisa sem sentido ficar olhando cartas, e deixar irmãos na mão. Dez minutos tens, e nada mais.
Meu marido rindo, chegou perto de mim e segredou-me:
- O Louro esta furioso. Não tolera ver vocês jogando baralho. Já tentei conversar com ele mas está irredutível. O jogo quer acabar. Cuidado, ele pode aprontar.
- Ora mais esta. Deixa o Louro se danar. Ele quer ser paparicado a todo instante. Nem parece ser gente grande.
Parente, rindo,  disse-me mais uma vez:
- É melhor prevenir. O Louro está horrorizado com vocês nesses baralhos. Ele, um meio vai arranjar, de com o baralho, arrebentar.
Mal Parente se calara, ele chegou tão mansamente que não o notamos com as mãos para trás, como era seu costume. Não desconfiamos de nada.
- Aécio, estamos acabando a partida. Está na hora do lanche. Vamos comer nosso bolo e depois dar uma volta até a nascente.
- Fique a vontade, maninha, fique a vontade. Não te preocupes comigo. Já arranjei um meio de ter meus irmãos perto de mim longe deste maldito baralho.
E, num piscar de olho, derramou sobre a mesa forrada, bem como sobre as cartas álcool que portava numa caneca e acionou o isqueiro. Um fogaréu brotou do centro da mesa. Surpreendidos, nos levantamos apressados.
- Agora joga cambada, joga. Pega as cartas moçada, joga buraco , moçada! Ecim que se dane, Ecim que durma, Ecim que se vire! Ecim se virou. Ecim acabou com a jogatina, Viva Ecim!
Parente desabou numa gostosa e contagiante gargalhada. Levantamo-nos das mesas rindo da indignação de nosso irmão. Mas como irmãos são um só, pegamos o Louro e passamos a trade e a noite tentando minimizar sua indignação, de ter sido trocado pelo baralho.





> Jesus Luna e a filha Ariane na casa da bica.

Todas as noites, a família esperava que eu fizesse, após as vinte três horas, um caldo de ovos. Após o mesmo, parte da família se recolhia, enquanto os do primeiro time, ficavam conversando.
Na Casa da Bica, nunca, quando das reuniões familiares, a churrasqueira tinha descanso. Sempre havia irmãos e irmãs acordados, conversando. Havia em nós o desejo de recuperar o tempo passado distante uns dos outros. Aqueles que, vencidos pelo sono, adormeciam, madrugavam e  juntavam-se  aos notívagos, sempre indagando:
- O que vocês conversaram? Por que não me acordaram? Perdi o melhor que é ficarmos nessas conversas mais íntimas.
Naquele anoitecer, Aécio, combinando com os demais irmãos, sobrinhos e claro, com os anfitriões, anunciou que todos haviam se excedido em comidas e que um bom caldo de carne com ovos, seria mais do que suficiente para o jantar. Fugindo à regra estabelecida, naquela noite , ele e eu faríamos o bendito caldo e depois ele cuidaria de lavar a louça, guardá-la, e limpar a cozinha.


Aide na Casa da Bica

Quando nos reuníamos, para que todos estivessem sempre livres, adotamos o hábito da divisão de tarefas: se as mulheres cozinhassem o almoço, os homens cuidariam da limpeza das louças e do jantar. Quando os homens fizessem o almoço, cabia as mulheres o jantar, e a limpeza. Os caseiros, marido e mulher, estavam sempre presentes, nos ajudando em tudo.
Thereza Denise na casa da bica.


Rachel e Carlinha na casa da bica.

Depois que fiz o caldo, com Aécio sempre a meu lado, tomamos aquela refeição, ficamos conversando, brincando, cantando. Uma bela reunião. Aécio, fez questão de reunir os pratos, canecos e levá-los à cozinha, lavá-los e guardá-los. Na brincadeira, ficamos até as vinte e três horas. Alguém falou:
- Uma bobagem fizemos. Acostumamo-nos com um caldinho, a esta hora. Faz-nos falta o caldo da Ida, antes de nos deitarmos. Com certeza, ela não fará outro. Ou será que fará?
- Com certeza, não. Já fiz minha parte. Vou mais é me recolher. De há muito meu marido dorme, boa noite, para vocês.
- Espere um pouco, maninha. Não vais fazer nada. Nada, absolutamente nada. Eu te acompanhei, prestei atenção e aprendi a fazer caldo igual, ou melhor do que o teu. Espere só mais um pouco. Eu vou preparar e servir o caldo. Quero que, com tua exigência de boa cozinheira, me digas se meu tempero é igual, ou melhor que o teu.
Concordei e aguardei o caldo. Passados alguns minutos, veio ele com canecos grandes, cheios de um caldo quentinho e cheiroso e nos serviu galantemente.
- Experimentem. Sintam o sabor. Sejam honestos e me digam se não sou bom aprendiz. Degustem bem. Há diferenças entre este, e o caldo da maninha?
- Hum, está muito bom. Aprendeste rapidamente, irmão. Agora te cabe, por direito, fazer o caldo todas as noites.
- Está igualzinho ao da Ida. Muito bom. É o caldo dela repetido. Ecim, és bom cozinheiro.
- Cabecinha de folha, acertaste. É igual. É o mesmo.
- O mesmo? Como assim, Ecim?                                                              
-Como assim? Muito simples. Recolhi todos os pratos, canecos e vi que, de barriga cheia, muita gente deixou restos preciosos. Que perdulário, estragadores de comidas, somos nós! Então, como sei, com certeza, que nenhum de nós é tuberculoso, leproso, infectado, juntei os sobejos na panela. Ficou quase meia. Escondi-a na despensa. Agora pus os sobejos a ferver. O caldo ficou ótimo. Cada um de nós, bebeu, alegre, o que sobrou dos outros. Este saboroso caldo, é o que sobrou no prato, de cada um de vocês.
- Ecim, que coisa feia!
- Feia? Feia, uma ova, deixa de prosa. Feio é deixar comida no prato e depois pô-la no lixo. O lixo hoje são as barrigas cheias de vocês, irmãos mal educados.
> Rômulo Correia com Guto e Aécio
Aécio, batizado da Bárbara. Juazeiro, Ce.



Aécio, CPOR



Aécio e Martina na festa dos 15 anos da Liv

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