domingo, 10 de fevereiro de 2013

6 - Maria Iaci, A CONSELHEIRA






                        

            6.  Maria Iaci, a Conselheira                   


                   ... a sabedoria, efusão da luz eterna, se derrama de geração em geração. 
                                                              


Mamãe tinha apurado senso de justiça e claro discernimento advindos da Sabedoria, dom de Deus. Era tão patente naquela mulher a facilidade de encontrar caminhos no marinhado, que inúmeras pessoas a ela recorriam em busca de seus sábios conselhos. Chegavam a nossa casa sem aviso prévio e dela só saiam quando aliviadas das “ pesadas cargas".  Parecia-me que não a respeitavam, dado o inusitado do momento e da hora que a buscavam.



                                                                 Maria Iaci/ 1936




Entre muitos acompanhados paciente e dedicadamente por Maria Iaci, destaco pela postura, pelo respeito que a cidade de  Barbalha lhes devotava, dona Letícia Ferreia Lima Sampaio e Padre Afonso, um jovem padre Salvatoriano, piedoso, calmo, fala mansa, espelhando na face, no porte, na voz e nos gestos a paz interior, sua companheira inseparável.


Quando o padre chegava, a sala da cristaleira nos era proibida. Não nos era permitido correr ou “entrançar” pela casa. Mamãe nos prevenia a conversarmos em voz baixa, a não nos imiscuirmos nos assuntos tratados e a nunca procurarmos saber qual o teor das conversas mantidas.



Uma ordem de mamãe nunca foi questionada por nenhum de seus filhos. Bastava olhar para ela para sabermos qual seu estado de espírito. Se a magoássemos, em sua testa surgia uma rusga, seus olhos se estreitavam. Erguia a cabeça e olhava firmemente para a, ou para o causador do incidente. Este, consternado, baixava a cabeça, encabulado, desconsolado e, amedrontado, tratava de correr “atrás do prejuízo”. Se reconhecesse o erro, ela o perdoava prontamente. Caso contrário,  uma grande  surra aplicava.  Mamãe tinha, em si, uma tela fininha e coadora que separava “o joio do trigo”.



Às vezes, a conversa mantida com o padre ultrapassava duas horas. Duas longas horas em que o silêncio se impunha. Aconselhamento concluído, ela o seguia até a porta principal de nossa casa. Ali se despediam. Ele descia os batentes, abria o portãozinho e voltava sorridente, aliviado, confiante a pastorear o “rebanho” que o Senhor lhe confiara. Quando adentrara, seus ombros caídos revelavam peso, dor, sofrimento. Ao sair, seus cabelos brancos no rosto jovem brilhavam. Seu sorriso, seu porte, revelavam que encontrara em nossa mãe, a Mãe Maria, e a ela confiara suas dificuldades, pedira-lhe discernimento para  nunca deixar um paroquiano no desencanto, no desalento. Mamãe, por sua vez, ia até ao santuário, fazia uma prece ligeira e, senhora de si, retornava ao seu mundo de artista:   transformar tecidos em vestidos maravilhosos que encantavam pela beleza e bom gosto.



Com relação a dona Letícia,  parecia-me irreal aquele relacionamento por tantos anos mantido entre as duas. Olhando-as conversar eu tentava entender o que minha mãe tinha para dar a dona Letícia, que ela já não possuísse. Educada no Sacré-Coeur, falava fluentemente francês. Casada com um homem nobre, educado, de família abastada, Dr. Pio Sampaio, o que procurava junto aquela costureira linda, nordestina, amiga dos pobres, que se impunha só com um olhar, mas que se “derretia”, se rendia, quando percebia que alguém não enxergava o que , de tão obvio, gritava dentro de si?



As “conversas” as vezes se prolongavam por toda a manhã. Mamãe não esboçava nenhum gesto que expressasse cansaço, enfado, pressa. Calmamente ouvia. Vezes sem conta, somente ouvia. Vezes outras conversavam muito. Quando dona Letícia levantava-se da cadeira onde estivera, seu rosto irradiava luz. Sorria. Permitira-se, junto da amiga, abrir o coração e deixar que, com sua sabedoria, lhe apontasse caminhos que  a  conduzisse a  realização  de  SER GENTE, COM GENTE.


De minha mãe, com humildade, sinto-me honrada e agradecida pelo legado. Herdei a facilidade de ler nas entrelinhas. Com ela também aprendi que não há dores pequenas. Todas  são dores que incomodam, que tiram da pessoa o poder do equilíbrio entre a razão e o emocional. E como via em sua casa, vejo hoje na minha, cheia de alegria, pessoas buscando o Deus que em mim mora.

Que linda herança, minha mãe, a senhora me deixou! Um dia no céu nos encontraremos e então partilharmos a alegria de ser “espantalhos” da dor.

 Aide Luna Parente


Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino

feito grão de milho.


Carlos Drummond de Andrade

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