domingo, 10 de fevereiro de 2013




         16.  Lola X Rangó

                      
...e as crianças qual retalhos de mil letras alegremente misturadas, 
corriam livres, despreocupadas. A Pinto Madeira delas cuidava.

Wellington Luna ( LOLA, MAGÃO) nosso vizinho, primo, filho de tio Ótom e de tia Silvinha, foi a criança mais inteligente que conheci. Dado á leituras, preferia estudar a participar de nossas correrias. Entretanto, quando a brincadeira era mais calma, exigia atenção e concentração, ele chegava, com seu andar desengonçado. Crescera antes do tempo. Suas pernas muito compridas, não se adequavam as desgovernadas correrias, como as nossas. Tanto ele, quanto Inezinha, nossa prima, filha de tia Odete, lideravam nossos “jogos de atenção”, como os batizamos. Dois deles, nossos preferidos: O Quartel e A Feira.



No primeiro, o líder nomeava os participantes com patentes do exército: soldado, cabo, sargento, tenente,... Se a turma fosse maior, as patentes recebiam numerações: primeiro sargento, segundo sargento e assim por diante. Feita a nomeação, o líder, de pé, falava com autoridade: PASSANDO EM VISTA   MEU BATALHÃO, FALTOU O CABO.

- SENHOR! (levantava-se, em continência, o “cabo”) O CABO, NÃO, SENHOR, FALTOU O TENENTE.

-SENHOR!(também fazendo continência se apresentava o TENENTE)  o tenente, não, faltou o...

Quando alguém não atento, deixava de se apresentar, o líder anunciava: o ........................ foi rebaixado, agora passa a ser peniqueiro. (gargalhada geral) O “peniqueiro” saia do posto que recebera  e, rebaixado, sentava-se no início da “fila”. O líder, então renomeava a "tropa". Os participantes atentos chegavam aos postos mais altos do exército. Quando a criança que começara como soldado raso, atingia o posto de Coronel ou Comandante, era aclamada vencedora. Cantávamos cadenciadamente, o hino do exército ou da marinha brasileira, e passávamos para outra brincadeira.

Com relação ao jogo, A FEIRA, preferíamos que Ineizinha o liderasse. Exigia mais atenção que o outro. Exigia concentração e criatividade. Cada participante recebia um nome e devia guardá-lo bem na memória: um tostão, mil reis,  quanto? Será? Muito cara! Quanto? Senhor! Que coisa! Ave Maria! Mil reis? Um tostão? Não acredito. É demais! Quem acredita? Não compro.Que farinha cara! Está barata.  É demais!É muito caro. E muitos outros nomes mais, dependendo do número de participantes.  Nossa prima era ótima e criativa ao inventar nossos "apelidos". 

Após sossegados e com os olhos fitos nela, Inezinha  nos contava uma história sobre a feira. A última frase, nas  últimas palavras, estava sempre um dos  “nomes” ou expressões recebidas pelos participantes. Se o mesmo não se pronunciasse, “queimava a farinha”. Vaiado, estava fora da brincadeira. Era vencedor aquele que citado retrucasse prontamente, mantendo-se atento,  até que só ele ou ela restasse sem nunca "queimar a farinhada. Alem de decorar o nome de todos os presentes, tínhamos que gravar aqueles exterminados porque se o citássemos, a "farinha seria queimada" também.  Mais ou menos assim: Passamos uns dias em Cajazeiras do Farias e  foi ótimo. Quando regressamos nossa casa estava uma bagunça. Tudo mofado. Quiz ajudar minha mãe e fui à feira .Comprei quase tudo. Procurei farinha de mandioca e quando a encontrei  não a comprei. Estava muito cara.

- Cara? ( a palavra cara , de pé retrucava)Custa somente, um tostão.

- Um tosão? Nunca compraria. Valei-me Nossa Senhora!

-Nossa Senhora? Você nem viu a santa, Que coisa!

E assim passávamos as noites sossegadas, sem correrias. Havia, também, noites de contos. Lola  era ótimo contador de histórias. Inventou uma, tipo seriado,  “  O Vai e não torna”, que mexia com nosso imaginário e nos deixava curiosos para  saber o que viria a seguir.

Nas noites de lua, preferíamos correr, pular. Então, ele não participava dos folguedos. 

 Lia , jogava xadrez ou dama. Quando tinha sono, do terraço da casa de sua mãe, tia Silvinha, gritava com voz de caveira : HOJE É DIA DE LUA CHEIA. ANTÔI  FINIM TÁ CHEGANNNNNNNNNNNNNNNDO, FINIMMMMMMM. O LOBISOMEM.  E VEM TAMBÉM O PAPA FÍGADO. QUE FRIIIIIIIIO! 
Jurávamos que não mais nos amedrontaríamos com os gritos do primo. Entretanto como este, em suas historias, nos garantia sentir o cheiro e entender a linguagem dos lobisomens e que conversava muito com o "Finim" quando o mesmo ia á Estrela ( uma propriedade do Tio Ótom com engenho de rapadura), apavorados, corríamos para nossas casas.

Este nosso primo, gostava de mexer com Aristênio. Mais velho, divertia-se ouvindo Tenoca dizer palavrões. Mas só o fazia quando se sentia seguro porque sabia que o primo, mesmo menor, mais novo, nele bateria.

Um dia, descuidou-se. Mexeu com Aristênio e, minutos depois, estava em nossa calçada. Aristêrnio, furioso, vendo-o desprotegido, pegou a tesoura grande das costuras de nossa mãe, e saiu em disparada gritando:
                                        

"hoje você me paga, magro f. da p. Hoje eu corto sua língua grandona e safada. Corre, magrelo de uma figa". Lola, pego de surpresa, não viu a porta aberta de sua casa. Correu desengonçada e atrapalhadamente, gritando: "Valha-me Nossa Senhora! Papaaaaaaaaaaai, acuda-me, Tenoca vai me matar." E a intenção do Rangó era esta mesma: MATAR O LOLA A TESOURADAS.

José Siltom, o filho mais velho do tio Ótom que estava no armazém do pai, correu a tempo de segurar a tesoura com a qual o RANGÓ pretendia ferir o Lola. Este, nunca mais apelidou  Tenoca.

Em noite de lua cheia, Tenoca e sua amada sem
medo de lobisomem.

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